Esse filme, dirigido por Sofia Coppola (2005), é uma leitura superficial da vida de Maria Antonieta (1755-1793), arquiduquesa da Áustria e esposa de Luís XVI, rei da França.
Algumas situações me desagradam
nessa leitura. Primeiro, a opção pelo idioma inglês, o que, de
certa forma, compromete a credibilidade da narrativa; segundo, o fato
de Sofia ter-se apropriado de um recurso o qual foi empregado pelo
australiano Baz Luhrmann, em "Romeu e Julieta", seu segundo
filme (1996), e no extraordinário "Moulin Rouge", seu
filme seguinte, de 2001: a opção por músicas pop em trabalhos de
época, o que Sofia não realiza com o mesmo brilho. A tríade
Robespierre-Danton-Marat sequer é citada, assim como a oposição
jacobinos x girondinos x sans-culottes, cerne da Revolução. Ou
seja, o filme negligencia a profundidade histórica, social e
política desse que foi um dos episódios mais violentos e
controversos da história da humanidade.
Ainda assim, o filme rende cenas
interessantes. Na noite de núpcias - e em outras tantas
consecutivas, nada de bom acontece no leito de Luís XVI e Maria
Antonieta. Não sendo consumada a boda, a falta de perspectiva para
a chegada de um herdeiro real traz enorme preocupação aos nobres do
palácio (por motivações políticas e pessoais, claro). A "culpa"
recai sobre a suposta frigidez da rainha. Mas a questão não é
simples. Um diálogo entre uma dama e Luís XV (avô de Luís XVI,
que viria a falecer de varíola) sugere ao espectador uma possível
explicação para a falta de entusiasmo do jovem monarca:
- Boa tarde, majestade! Como vai o seu
neto, o delfim?
Ao que o rei responde:
- Ele está caçando veados.
Luís XVI estava, de fato, numa caçada
(uma das coisas de que mais gostava), mas é provável que a resposta
do avô sugerisse dúvida quanto a masculinidade do futuro rei.
Há duas cenas belíssimas, ambas ao
final do filme: a primeira se dá quando explode a Revolução e o
povo se prepara para invadir o palácio e retirar de lá à força o
casal real. Ambos, Luís XVI e Maria Antonieta, estão à mesa,
ceando. Ouvem o clamor popular. Temem o desfecho. Entreolham-se.
Luís abaixa a cabeça, enquanto Maria Antonieta estende o braço na
direção do marido. Ambos se dão as mãos. São solidários no
sofrimento. E a outra: ao fugirem do palácio, já na carruagem que
os levaria a uma fortaleza, localizada fora de Paris, Luís XVI
pergunta à esposa, que está a contemplar a paisagem:
- Admirando sua alameda de limoeiros?
- Eu estou me despedindo. - responde a
rainha, com os olhos marejados, assim como Luís. E o filme para por
aí.
Luís XVI e Maria Antonieta chegaram
precocemente ao poder (ele aos 20, ela aos 18 de idade, embora
houvessem casado 4 anos antes). "Poder" era algo que não
desejavam; na verdade, foram surpreendidos pela morte de Luís XV.
"Deus, guie-nos e proteja-nos. Somos jovens demais para
reinar", disse Luís XVI ao ser entronizado. Maria Antonieta,
por sua vez, foi odiada pela nobreza e pelo povo, por ser
estrangeira, "a austríaca", a traidora da França, como as
damas francesas se referiam a ela, desdenhosamente. Foi acusada de
dilapidação do patrimônio público, foi acusada de influenciar o
marido em prol do reino da Áustria, foi acusada de ter um caso com
Fersen, um conde sueco. Foi vítima de inúmeros boatos. Assim como
Luís XVI, foi vítima de inúmeras maquinações dos membros da
corte. Viu o círculo fechar em torno de si. Foi Robespierre quem
pediu sua cabeça. E ele a teve... Apesar de tudo, a consciência
de Maria Antonieta permaneceu fiel ao marido, até sua morte. Na
guilhotina.
Francisco Filardi
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