Foi Madame Filardi quem trouxe a
novidade (para variar). Uma de suas amigas, a Jajá, é louca por
gatos. Não, leitor, você não entendeu. Onde se lê louca
por gatos, leia-se daquelas
que beijam, abraçam, mordem, apertam bochechas, dão colinho e ninam
os tais como se bebês fossem.
Se essa
devoção aos felinos se restringisse ao âmbito doméstico, vá lá.
Mas a sandice da Jajá ultrapassa os limites do bom senso. Em seus
habituais passeios vespertinos,
por exemplo, chega a
interromper os passos, a cada cinco ou dez metros, só para acariciar
algum felino que se lhe meta no caminho, um suplício para quem se
atreve a acompanhá-la. Os vizinhos juram que ela perdeu
os parafusos (todos); os
parentes, então, fugiram faz tempo! Os chamegos
nos bichanos são tão
exagerados que é impossível os passantes ignorarem a cena: - "Que
melação! Que nojo!",
comentam.
Madame diz
que a louvação excessiva é só a ponta
do iceberg, já que pela
cabecinha da sua amiga festeira passam ideias para lá de modernosas
(por conta dos tais parafusos
perdidos...). E não é que
ela, aos
63 de idade, resolveu cursar uma faculdade?
Pois é. Mas tudo ia bem, sejamos
justos: Jajá era aplicada, não faltava às aulas, tirava boas
notas; enfim, era uma autêntica CDF.
Só mesmo
lá pelo terceiro período, quando um professor de "História de
não sei do quê" pediu à turma um trabalho em grupos, é que a
coisa desandou. O grupo de Jajá incluía a Beneplácida, o
Marcondes e o Malaquias, este destacado para receber
os colegas numa primeira reunião do grupo,
na
qual dividiriam responsabilidades e tarefas.
Mas havia um porém
nessa brincadeira.
Malaquias, que também era fã de felinos, tinha no apartamento um
vira-latas brabo que só! Não, leitor, você não entendeu (de
novo). O gato do Malaquias não é daqueles que se intimida
com um estranho em seu
terreno e corre para debaixo da
cama. Na-na-ni-na-não! Ele é
Dom Gato Corleone,
em pessoa! Como quem nada quer, põe-se diante do intruso, apoia-se
nas patas dianteiras e o encara como quem diz: - E
aí, brou,
o que é que tá pegando?.
Beneplácida e Marcondes, que já haviam visitado o Malaquias em
outras ocasiões, não davam a menor bola
para o bicho (por isso,
entendiam-se, cada um no seu canto),
mas sabiam que o gato do anfitrião não vivia só da fama. O
problema, eis a questão, é que ninguém ali avisou a Jajá.
No dia combinado para aquela
que seria a
primeira
reunião
do grupo, o bafafá se deu logo à entrada do apartamento do
Malaquias, nas saudações e cumprimentos. Afoita, Jajá se inclinou
para, digamos...
cumprimentar
o gato -
que, com certo cinismo, já se enroscava nas pernas do dono.
Pensando tratar-se de uma graça do felino, Jajá não economizou no
tatibitati:
- Que gatinho gostosinho! Que
cheirosinho! Que fofinho! Que bonitinho! Que...
Bem, era
natural, depois de tantos que
no início das frases, que
o tempo fechasse
(pelo menos, na
opinião do gato, que detestava
exclamações!). Bigorna (!),
o tal do gatinho
bonitinho, abaixou as
orelhas, eriçou pelo e bigodes, esticou o rabo e encarou Jajá todo
encrespado, enquanto desprendia
um miado tão agudo que fez arrepiar até os cabelinhos do... fiofó
da idosa. Para completar o serviço,
o bichano malvadão partiu para cima da velhota, desferindo-lhe
quatro arranhões nada discretos,
entre a orelha e o olho esquerdos,
para que ela não mais se atrevesse a bajular quem não conhece.
Horrorizada, Jajá disparou,
em severo galope,
pelo corredor do prédio.
- Valha-me,
Deus! Gatinho mau! Gatinho mau!* - gritava, enquanto
Beneplácida, Marcondes e o próprio Malaquias assistiam à cena, às
gargalhadas.
Moral da história: só de pensar na
desventura da amiga, Madame Filardi chora (de tanto rir)!
*
A citação Gatinho
mau!
é
uma homenagem à escritora Ciça Silveira, que imita, como ninguém,
a saia
justa da
dona Jajá.
de Francisco Filardi, finalizado em 04/03/2017.