O xadrez é o jogo mais antigo e
universal que se conhece entre os homens. Sua origem situa-se além
da memória da história, e, ao longo de inúmeras épocas, ele tem
constituído a diversão de todos os países civilizados da Ásia -
os persas, os indianos e os chineses. A Europa o recebeu há mais de
mil anos. Os espanhóis o difundiram através de suas regiões na
América, e recentemente ele tem aparecido nos Estados Unidos. Ele é
tão interessante em si mesmo que para se engajar nele não se
precisa da indução pelo objetivo do ganho, e, dessa forma, nunca se
joga xadrez a dinheiro. Por isso, os que dispõem de lazer para esse
tipo de diversão não encontram outra que seja mais inocente. E o
texto a seguir, escrito com a intenção de corrigir (entre alguns
jovens amigos) certas pequenas impropriedades na sua prática,
demonstra que ao mesmo tempo, nos efeitos que exerce sobre a mente,
ele pode não ser apenas inocente, mas sim vantajoso, tanto para o
derrotado quanto para o vitorioso.
O jogo de xadrez não é meramente
uma diversão ociosa. Muitas valiosas qualidades da mente, úteis no
decorrer da vida humana, são adquiridas ou reforçadas por ele, de
forma a se tornarem habituais, disponíveis a qualquer momento. Pois
a vida é uma espécie de xadrez, no qual muitas vezes temos pontos a
ganhar, e competidores ou adversários para enfrentar, e onde há uma
ampla variedade de fatos bons e ruins que, em certa medida, são os
efeitos da prudência, ou da sua falta. Através do jogo de xadrez,
nós podemos aprender o seguinte:
I. Previsão: olhar um pouco para o
futuro e considerar as conseqüências que podem aguardar determinada
ação. Pois ocorre continuamente ao jogador a seguinte reflexão:
"Se eu mover esta peça, quais serão as vantagens da minha nova
situação? Qual a utilidade que o meu adversário poderá obter com
esta última para me causar problemas? Que outras movimentações
posso fazer para dar apoio àquela jogada, defendendo-me do ataque
dele?"
II - Circunspeção: observar todo o
tabuleiro, ou o cenário da ação, as relações e situações de
cada peça individualmente, os perigos aos quais elas estão
expostas, as várias possibilidades de se ajudarem mutuamente; as
probabilidades de o adversário poder fazer esta ou aquela jogada, e
atacar esta ou aquela peça. E que diferentes meios poderão ser
usados para evitar esse ataque, ou fazer com que as conseqüências
do mesmo se voltem contra seu autor.
III - Precaução: não realizar
nossas jogadas muito apressadamente. Adquire-se melhor este hábito
quando se observam estritamente as leis do jogo, tais como "se
alguma peça for tocada, ela necessariamente deverá ser movida para
algum lugar; e se ela for colocada em algum lugar, deverá ser
deixada ali". Por isso, é melhor que essas regras sejam
observadas à medida que o jogo se torna cada vez mais a imagem da
vida humana, e particularmente da guerra; onde, se ocuparmos
inadvertidamente alguma posição ruim e perigosa, não teremos
permissão do inimigo para retirar nossos soldados e colocá-los em
maior segurança, mas sim, teremos de arcar com todas as
conseqüências da nossa precipitação.
E por fim, com o xadrez adquire-se o
hábito de não se desencorajar com a aparência ruim da atual
situação dos negócios, o hábito de sempre esperar por uma mudança
favorável e o de perseverar na busca de soluções. O jogo é tão
cheio de lances, há nele uma tal variedade de guinadas, a sua
fortuna é tão sujeita a súbitas vicissitudes, e com tanta
freqüência a pessoa, após uma reflexão, descobre os meios de se
desembaraçar de uma dificuldade supostamente insuperável, que ela
se sente estimulada a prosseguir no combate até o fim, esperando
obter por sua própria capacidade a vitória ou, pelo menos, chegar a
um empate, graças à negligência do adversário. Todo aquele que
perceber que no xadrez, muitas vezes, certos momentos de sucesso
podem produzir presunção e, conseqüentemente, falta de atenção,
pela qual posteriormente perde-se mais do que se ganha - ao passo que
os lances infelizes podem produzir maior cuidado e atenção, pelos
quais a perda poderá ser recuperada -, irá aprender a não
desanimar diante do atual sucesso do adversário, nem desesperar-se a
cada pequeno xeque que receber na procura da boa sorte final.
Para que dessa forma sejamos
induzidos com maior freqüência a escolher essa benéfica diversão,
em lugar de outras que não proporcionam as mesmas vantagens, toda
circunstância capaz de aumentar os prazeres da mesma deve ser
considerada; e cada ação ou palavra injusta, desrespeitosa ou que
de alguma forma possa produzir desconforto deverão ser evitadas,
como contrárias à intenção imediata de ambos os jogadores, qual
seja, a de passar agradavelmente o tempo.
Por isso, em primeiro lugar: se o
acordo for jogar segundo as regras estritas, então essas regras
deverão ser exatamente observadas por ambas as partes, e um lado não
deve insistir nelas, enquanto o outro delas se desvia, pois isso não
é justo.
Em segundo lugar: se ficar
estabelecido que a partida não deverá observar exatamente as
regras, mas que um dos lados requer indulgências, este deverá
também permitir as mesmas para o outro lado.
Em terceiro: nenhum falso lance
jamais deverá ser feito para livrar alguém de uma dificuldade, ou
para obter vantagem. Não pode haver prazer de se jogar com uma
pessoa se ela for flagrada nessas práticas injustas.
Em quarto lugar: se o nosso
adversário for lento para jogar, não devemos apressá-lo ou
manifestar desagrado com a sua lentidão. Não devemos cantarolar,
ou assobiar, nem olhar para o relógio, nem apanhar um livro para
ler, nem sapatear no chão, nem tamborilar os dedos sobre a mesa, nem
fazer nada que possa perturbar sua atenção. Pois todas essas
coisas desagradam, e não demonstram nossa vontade de jogar, mas sim
nossa malícia ou rudeza.
Em quinto lugar: não devemos
esforçar-nos por divertir ou iludir o adversário, fingindo ter
feito jogadas ruins, declarando que agora perdemos o jogo, a fim de
fazê-lo sentir-se seguro, descuidado e desatento aos seus planos.
Pois isso é fraude, e trapaça, e não habilidade de jogar.
Em sexto: quando obtivermos uma
vitória, não devemos empregar expressões de triunfo ou
insultuosas, nem manifestar alegria, mas sim esforçarmo-nos por
consolar o adversário e fazer com que fique menos insatisfeito
consigo mesmo, através de expressões gentis e civilizadas, que
podem ser usadas com sinceridade, tais como "Você compreende
melhor do que eu o jogo, mas é um tanto desatento", ou "Você
esteve melhor na partida, mas aconteceu alguma coisa que distraiu os
seus pensamentos, e isso fez tudo virar a meu favor".
Em sétimo: se formos espectadores
enquanto os outros jogam, devemos observar o silêncio mais completo.
Pois se dermos algum conselho, ofenderemos a ambas as partes.
Ofendemos aquele contra o qual damos o conselho, porque isto poderá
causar a sua derrota no jogo; e, ofendemos aquele a favor de quem
damos o conselho, porque, embora possa ser um bom conselho, se ele o
seguir perderá o prazer que poderia ter se lhe permitíssemos pensar
que a ideia havia ocorrido a ele. Mesmo depois de uma partida, ou
partidas, não devemos demonstrar, recolocando as peças, que
determinada jogada poderia ter sido mais bem realizada; pois isso
desagrada e pode ocasionar discussões ou dúvidas sobre a verdadeira
situação. Toda conversa com os jogadores diminui ou distrai sua
atenção, e por isso é desagradável. Tampouco se deve dar a mais
mínima sugestão a nenhuma das partes através de qualquer espécie
de ruído ou de movimento. Se o fizermos, não estamos aptos a ser
espectadores. Se quisermos exercitar ou demonstrar nosso próprio
julgamento, façamos isso jogando nossa própria partida, quando
tivermos oportunidade de fazê-lo, e não pela crítica, ou nos
imiscuindo, ou aconselhando jogadas aos outros.
Por último: se não é para se jogar
com todo o rigor, de acordo com as regras mencionadas acima, então
moderemos nosso desejo de vitória sobre o adversário, e fiquemos
satisfeitos também com uma possível derrota. Não vamos agarrar
avidamente qualquer vantagem oferecida pela pouca habilidade ou
desatenção do outro, mas sim, gentilmente, mostremos a ele que, com
aquela determinada jogada, ele estará colocando ou deixando sua peça
em perigo, sem apoio, e que por meio de outra jogada ele colocará o
rei em situação difícil etc. Por essa civilidade generosa (tão
oposta à injustiça condenada acima) pode-se, na verdade, perder o
jogo para o adversário, porém ganharemos o que há de melhor: a sua
estima, o seu respeito e o seu afeito, juntamente com a aprovação e
boa vontade silenciosas dos espectadores imparciais.
texto publicado originalmente pela Columbian Magazine, em dezembro de 1786