AFASTE DE MIM ESSE CÁLICE...
(de Francisco Filardi)
(de Francisco Filardi)
Conheceram-se num chat, em uma rede social. Descobriram-se ao acaso, numa dessas madrugadas despretensiosas em que o desinteresse já quase os vencia pelo cansaço. Afinal, não é fácil encontrar alguém na internet com quem valha a pena conversar. Mas Val se encantara desde as primeiras linhas. Rodrigo era, de fato, um homem raro: educado, gentil, incapaz de uma indelicadeza. E redigia num português impecável, o que Val achava o máximo. Ela, graduada em Letras, valorizava o bom texto, a boa pena. Era espontânea, direta, sincera e detentora de um carisma ímpar, o que fisgou Rodrigo logo de cara.
Dois meses se passaram, desde
a primeira noite.
“Bisbilhotavam-se”, num
prazer genuíno, para
conhecer melhor o outro e
identificar preferências comuns. Até que agendaram um encontro.
Val não se conteve. Desde
então, ansiosa que era, ia
do quarto para a
sala, da sala para a varanda, da varanda para a cozinha. E refazia o
percurso, inúmeras vezes! Falava sozinha. Contava as horas no
relógio, os dias no calendário. Imaginava o que ambos diriam nesse
primeiro contato presencial. Era como se um filme de amor inocente
passasse por sua cabeça. Ensaiara até as falas! Na casa dos
trinta, Val sentia-se boba, ria-se do seu ar
adolescente. Mas estava
feliz, sentia-se mulher.
Por isso, não economizou: comprou roupa, um par de sapatos da moda
e um perfume de grife. Rodrigo, por sua vez, andava com o coração
aos pulos e também não desejava fazer feio. Longe dele cometer
algum vacilo. Queria mesmo impressionar a amada com sua boa postura,
educação e aparência. E tratou de retirar do armário a calça
jeans nova que reservara para ocasião especial. Também tinha
guardados um par de meias e sapatos intocados. Comprou tão somente
uma camisa discreta, de bom tecido, e tudo estava pronto.
Combinaram numa sexta, à noite, em
frente a um conhecido bar, na zona norte. Val chegara primeiro.
Nervosa (naquele nervosismo quase angústia), olhava de lado a outro
da rua, à procura de seu amado. Como ambos já se tinham visto
pelas fotos da tal rede social, o reconhecimento não lhes seria
difícil. Logo que Rodrigo dobrou a esquina próxima, avistaram-se.
Sorriram-se e trocaram acenos ao longe. Mas, à medida em que se ia
aproximando do local do encontro, ele percebeu que algo não estava
bem. Faltavam ainda alguns bons metros para estar diante de sua
amada e ele sentira, embora não lhe houvesse certeza. Afinal, o bar
estava lotado; mesas e cadeiras adentravam a calçada, havia muitas
pessoas por ali, num burburinho daqueles. Mas o coração já dele
galopava em pânico e os passos, até então eufóricos, foram
diminuindo o ritmo, como se a retardar sua chegada. Só mesmo quando
Val beijou-lhe a face que ele teve certeza. Um arrepio crispado
percorreu-lhe a coluna e o rosto enrubescido não disfarçava o
desconforto. Val, diante da expressão fantasmagórica do
amado, perguntou-lhe: -
"Querido,
o que houve?",
mas era tarde. Rodrigo deu-lhe as costas, sem
responder à pergunta;
afastou-se, apavorado e rápido,
deixando-a no vácuo.
Todos, que estavam na calçada, diante do bar, presenciaram a cena
patética, enquanto Val, estática e
embasbacada, ficou sem
entender.
Val e Rodrigo. Tinham tudo para dar
certo. Conheciam-se tanto, sabiam inúmeras coisas um sobre o outro,
mas esqueceram-se de privilegiar os detalhes: o perfume de grife que
Val escolhera para o encontro era desses que percorrem quilômetros
em segundos; foi por isso que Rodrigo, alérgico até ao último fio
de cabelo, foi parar no hospital, com a face inchada, feito um
baiacu.
finalizado em 21.01.2016
finalizado em 21.01.2016
Um perfume pode unir mas também afastar.
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