No início da década de noventa, eu trabalhava em uma agência bancária situada no Castelo, bairro não oficial anexo ao centro do Rio de Janeiro.
A agência, de médio porte, dispunha de um razoável volume de
negócios e de uma carteira de clientes formada, em sua maioria, por
assalariados. Apesar de localizada em área de concentração
bancária, a mesma distava
das vias arteriais do Centro, onde corria o
fluxo de grandes clientes. Por
essa razão, e pela natureza de sua clientela, a
agência recebia, da
alta administração do Banco, rotineiras
ameaças de encerramento das atividades, face a dificuldade da equipe
no
atingimento das sempre
questionáveis metas estipuladas.
Quando passei a atuar no corpo gerencial, um colega apresentou ao
comitê1 da agência uma proposta de empréstimo
formulada por um recém-ingressado correntista. O
cliente era amigo de longa
data desse meu colega, atuava na área do
comércio e vinha passando por momento financeiro delicado. Como se
tratava de conhecido de
um membro do comitê (considerados os riscos da operação, claro),
a proposta foi aprovada, sem ressalvas, e o valor pretendido,
depositado, cerca de 24 horas depois, na
respectiva conta.
No
entanto, dias depois do
vencimento da primeira parcela do empréstimo,
transcorridos sem a manifestação do cliente, o gerente geral da
agência veio ter comigo e com o colega defensor do empréstimo:
- Conversem com o cliente e vejam o que conseguem. Se
necessário, renegociem a dívida, pois a Superintendência está
apertando o nosso
(= o do
colega
=
o meu)
pescoço.
E tratamos
de cumprir
com o que nos cabia.
Contudo,
não localizamos o cliente no endereço informado
em sua ficha cadastral. Foram
necessárias quase duas semanas mais para que o meu já quase
desesperado colega descobrisse
o
paradeiro comercial de
seu amigo de longa
data.
Informamos
o
fato ao gerente geral e rumamos
para o novo endereço. Atravessamos
a Cinelândia e descemos
a rua Uruguaiana, em direção ao “camelódromo”,
até darmos
num prédio antigo, de aparência triste.
Subimos ao segundo piso,
por
um elevador com porta pantográfica,
e lá estava o cliente que, ao ver-nos, mostrou-se mais embaraçado
que surpreso. Desculpou-se
pelo
“atropelo” das
últimas
semanas,
esclareceu
que o primeiro trimestre do ano lhe havia resultado em prejuízo e
que optara,
havia
pouco,
por mudar
de negócio. Ainda no ramo do comércio (não me recordo de
que produto vendia em sua proposta anterior),
agora se
aventurava na venda de brinquedos. Estávamos
a cerca de quinze dias da Páscoa e o cliente nos prometeu algum
dinheiro após o feriado, conforme o resultado das vendas.
Eu e meu colega nos entreolhamos, já reconhecendo,
a essa altura, que
o propósito da visita se perdera.
Antes,
porém, de darmos
por encerrada a sessão, o cliente nos
pediu que o aguardássemos.
Dirigiu-se
ao depósito e, minutos depois, retornou com duas caixas de
aproximadamente trinta
e cinco centímetros de altura, cada.
Eram
coelhos de pelúcia, os quais ofereceu-os
a mim e ao meu colega. Entendemos que a
oferta era
uma espécie de mea culpa por ele ter sumido do mapa sem
comunicar
ao Banco. Se
o
cliente ficou desconcertado com a nossa visita, também nós o
ficamos face o inusitado da situação. Afinal, ganhar coelhos de
pelúcia era algo
inédito em nossas carreiras como
bancários. Mas o
que nos chamou a atenção mesmo foi o
nome dos coelhos: Longuinho.
Ao término da
nossa visita, eu e o
colega deixamos
o claustrofóbico edifício,
ganhando
a rua Uruguaiana; e tomamos
o caminho de
regresso à agência, subindo
em direção à Cinelândia, cada qual com o seu “Longuinho”
debaixo do braço. Foi
quando recebi uma cutucada. O
colega foi direto ao ponto:
- Pois é, Chiquinho, vamos chegar à agência sem o
puto de um tostão no bolso e o gerente geral vai querer é enfiar o
Longuinho na gente…
É
fato que não
fazíamos ideia do que nos aguardava quando
adentrássemos a agência e se a
situação
era para rir ou chorar. Mas garanto que essa
não era a nossa preocupação de momento; o problema
é que a embalagem do brinquedo não continha
apenas o coelho de
pelúcia, mas uma robusta
cenoura...
1 comitê – as decisões no nível gerencial são tomadas com a participação de todos os gerentes da agência (gerente geral e os de pessoa física e jurídica).
Filardi