UMA JANELA PARA MARIA*
(de Francisco Filardi)
Ao
ser
indagada
pela
mãe
sobre
o
que
gostaria
de
ganhar
em
seu
décimo
aniversário,
Maria
respondeu
com
uma
espontaneidade
tal
que
quase
soou
como
atrevimento:
"Uma
janela?!"
– indignou-se a
mãe
– "Essa
menina
deve
estar
maluca!"
- pensou.
É
claro
que
dona
Alvinha
não
levara
a
sério
o
desejo
da
filha.
Aquele
pedido lhe parecera
tão
estranho
que
só
poderia
ter
saído
de
um
livro
de
contos
de
fadas
ou
de
um
filme.
Por isso, arriscou uns passos pelo
quarto da menina,
em
busca do que lhe
comprovasse a suspeita:
um livro
ou
DVD
fora
do
lugar.
Mas
nada havia, pois, que a entregasse.
No
quarto
de
Maria
havia
uma
janela,
que
ia
de
lado
a
outro
da
parede.
Ali,
estavam
suas
begônias,
cuidadosamente
cultivadas,
em
delicados
vasinhos,
dispostos
um
após
o
outro,
sobre
o
parapeito.
Trabalho
de
dona
Alvinha,
claro.
A
Maria,
cabia
o
cuidado
de
conversar
com
as
flores,
como
se
o
fizesse
com
uma
pessoa da família ou
alguma
coleguinha
da
escola.
Havia tanto desembaraço e naturalidade nesse cuidado! Ah, como
havia! Tanto que Dona
Alvinha
até
achava
graça
nas
conversas
da
filha.
“Um sólido
exercício criativo!”,
dizia. No entanto, acreditava que
era
preciso
manter
um
distanciamento
saudável
entre
ficção
e
realidade.
“Uma
janela?!”
-
perguntou-se.
Aquilo
lhe
parecera
demais,
embora
a
palavra
criatividade
não
oferecesse
rima
segura
para
o
distanciamento
pretendido...
Quando
retornava
das
aulas,
à
tarde,
Maria
adorava
debruçar-se
à janela.
Flexionava
os
joelhos
e
dava
um
leve
impulso
em seu corpinho
delicado,
até
que
os
pés
deixassem
o
chão.
Alcançava o parapeito com
relativa
facilidade.
Colocava
as
pernas
para
fora
e
ali
ficava,
sentada,
de
frente
para
o
jardim.
Daí
seus
olhos
deparavam
com
aquele
céu
magnífico,
de
nuvens
de
algodão,
que
tanto
a
encantava.
Um
céu
onde nuvens
mágicas
ganhavam contornos
de animais,
de
objetos,
de
pessoas:
um
distinto
cavalheiro
de
terno
e
gravata;
um
gato
sisudo
e
desconfiado;
um
chapéu
de
madame,
repleto
de
penas;
e
até
um
anjo
de
asas
enormes,
que
parecia
sorrir
timidamente
para
Maria.
Quanta
imaginação!
- Uma janela?! – retrucou dona Alvinha, já à porta do quarto, enquanto perscrutava a janela, ao fundo.
- É, mãe, uma janela! – confirmou a menina, impaciente com a incredulidade da mãe.
- Mas... para quê? Você já não tem uma? - perguntou dona Alvinha, tentando dissuadir a menina daquela ideia absurda.
- Ora, mamãe, é para caber mais nuvens no meu quarto! - respondeu Maria, com um cinismo sem precedente. - Agora, pode preparar algo para eu comer? - prosseguiu. - Estou com uma fome...
A
miúda
tinha
um
talento
incomum
para
fazer
a
mãe
sorrir,
mesmo
em
situações
adversas.
E
mencionar
comida
era
sempre
um
bom
modo
de
escapar
desses
embaraços.
Dona
Alvinha,
ainda que com
um
sorriso
intrigado,
fechou
por
trás
de
si
a
porta
do
quarto
e
foi
até
a
cozinha
preparar
algum
quitute.
“Para
caber
mais
nuvens”,
pensava,
ao
ganhar
o
corredor.
“Só
falta
Maria querer
destelhar
a
casa,
para
que caibam outras
nuvens mais”!
E deu de ombros. Já a
menina, deu-se
por
satisfeita.
E
sorriu
com
a própria
marotagem.
Já
era
noite.
Ainda
assim,
Maria
permanecia à janela.
Não
para
conversar
com
suas
begônias.
Mas
para
escorregar
os
olhos
naquele estupendo
tapete
de
estrelas.
E
deleitar-se
com
a
leveza
de
suas
ideias
extraordinárias.
Perguntava-se
quando
ganharia
uma
janela.
Não
uma
janela
de
madeira,
ferro
ou
alumínio:
essas,
Maria
as
tinha.
Ela
queria
uma
que a
inspirasse a
realizações,
que lhe fizesse
transbordar
felicidade.
Maria
não
fazia
ideia
do
futuro
que
a
esperava,
mas
seguia
a
sua
intuição.
E
intuição
era
uma
particularidade
feminina,
como
dizia
a
sua
mãe.
A
lua,
pálida
e
discreta,
não
se atrevia a responder.
Nem
as
estrelas,
nem
a
escuridão,
nem
o
silêncio.
Mas
Deus
sabia
o
que
passava
no
coração
de
Maria.
Deus
sabia.
E
ela
esperava,
paciente,
entre
nuvens
e
suspiros.
Muitas
vezes,
ainda,
Maria
tornaria
a
debruçar-se
à janela.
E
muitas
nuvens
mágicas
haveriam
de
formar
figuras
naquele
céu,
em
que
ela
acreditava
ser
todinho
seu.
Mas
a
menina
queria
mesmo
que
o
tempo
a
tornasse
mulher;
era
o
desejo
secreto
de
toda
menina:
crescer,
para
desvendar
mistérios
incompreendidos.
O
tempo
passou.
Maria
cresceu
e,
de
fato,
desvendou
alguns
mistérios
(não
todos).
Já dona
Alvinha,
há
muito
faz
parte
daquele estupendo
tapete
de
estrelas
para o qual sua
filha
tanto
escorregava
os
olhos.
Quanto as
janelas
- de
madeira,
ferro
ou alumínio -
estão
lá,
apodrecidas,
enferrujadas,
porém
firmes.
São
testemunhas
de
uma memória
que
não
esvaneceu.
A
janela
que
Maria
tanto
desejava
na
infância
era
uma
oportunidade,
um
bater
de
asas
para
experimentar
a
vida
e
realizar
nuvens. Nuvens de
sonhos. Sonhos de menina. Sonhos de Maria.
E
não
apenas
uma,
mas
muitas
janelas
se
abririam
para
aquela
que
amava
begônias
e
passava
horas
a
contemplar
nuvens.
Maria,
ela
mesma,
era uma
janela
aberta para
o
mundo.
* publicado originalmente em 16/09/2014.
https://wordpress.com/post/masticadoresbrasil.wordpress.com/6018
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