O superintendente da empresa era um
sujeito chamado Mauro. Sua
atividade consistia em avaliar
e controlar o desempenho dos
gerentes
de todas as filiais do estado, cabendo-lhe,
inclusive, a aplicação de sanções punitivas aos descumpridores
das metas estabelecidas. Em suma, era o homem
do chicote!
De quando em quando, o cidadão Mauro
reunia os subordinados no auditório de uma concorrente, no centro da
cidade, para realinhar as cifras (e
distribuir chicotadas). Mas o
clima de seriedade
da conversa ganhava contornos de cinismo, já que, entre sorrisos
irônicos e piadinhas sem graça, o chefão apertava o pescoço da
turma com metas que via de regra ignoravam as características da
clientela e as peculiaridades da região onde atuavam os respectivos
núcleos negociais. Ou seja, a
empresa fixava metas consideradas intangíveis, sobretudo pelos
gerentes situados em regiões menos favorecidas do estado, o que era
sempre alvo de protestos e burburinhos nessas reuniões.
Mas nem nossos frequentes insucessos
no trato dos negócios nem as ameaças do superintendente acabavam
com o nosso humor. Digo nosso
porque eu também
fazia parte do
distinto rol de gerentes da empresa - a gerentalha,
como dizíamos¹.
Pois bem, numa dessas
tardes
de reunião, aguardávamos a chegada do superintendente em pequenos
grupos, dispersos pelo auditório. Entre amenidades e fofocas
trabalhistas, um gerente gaiato, que participava
do grupo próximo à entrada
do salão, achou de ironizar,
em boa voz,
os excessos administrativos
do... “lobo
Mauro”. Para
azar do pateta, o superintendente, que
passava por ali na hora, tomou
nota da jocosa
homenagem
que lhe rendiam
os
gerentes. Mauro parou e
acenou
para o grupo maledicente com um discreto sorriso de canto de boca,
como quem diz: - “Vocês
estão fritos!”.
No entanto, Mauro
deixou transparecer a enganosa impressão de não se ter deixado
afetar pela graciosa alcunha e
iniciou a reunião com a
costumeira ladainha. Fez desfilar gráficos, índices, resumos,
estatísticas e projeções de metas que indicavam o nosso (segundo
ele) medíocre
desempenho (o que não era novidade!). E, à certa altura do
monólogo (pois
só Mauro falava), entre ameaças de encerramento das atividades
desta ou daquela filial y
outras cositas más, o
superintendente revidou
com essa: - “Não
finjam que estão trabalhando, porque a empresa não finge que paga a
vocês!”, um tremendo
chute no saco!
Um clássico
da moderna administração!
É claro que não levávamos a sério
os
sermões
administrativos,
porque as ameaças de demissão por improdutividade e de fechamento
de agências eram históricas (àquela
altura, quase lendas).
O destempero
do superintendente era por nós entendido, portanto,
como decorrente
de seu compromisso,
afinal ele também tinha metas a cumprir e, da mesma forma que
nós, era cobrado por elas.
Era um círculo vicioso e havia
até uma certa graça nesse
rebuliço. Mas o fato é que a graça parou por aí. Não tardou
para que a gerentalha
(quase toda) fosse demitida. A empresa, adquirida e incorporada por
uma concorrente²,
mais adiante daria aos gerentes gerais de cada filial a ingrata
tarefa de distribuir a seus colegas de gerência e demais
funcionários os deprimentes “bilhetes azuis”. E nem mesmo
o lobo
escapou do destino reservado às ovelhas.
Era o triste fim de um tempo em que,
apesar das metas sufocantes, do
trabalho monocórdico
e do convívio
habitual com o
fracasso, havia um sorriso divertido permeando a rotina dos gerentes
e do pessoal do chamado “baixo escalão”.
(de Francisco Filardi, finalizado em 11/06/2016)
__________
¹
trocadilho com o bordão “gentalha,
gentalha!” do ator Carlos
Villagrán, no seriado mexicano Chaves,
ou Chespirito
como é conhecido no
país de origem.
²
a adquirente e incorporadora não fora a mesma empresa que
gentilmente nos cedia o auditório.