sábado, 11 de junho de 2016

LOBO MAURO E A "GERENTALHA", DE FRANCISCO FILARDI




O superintendente da empresa era um sujeito chamado Mauro. Sua atividade consistia em avaliar e controlar o desempenho dos gerentes de todas as filiais do estado, cabendo-lhe, inclusive, a aplicação de sanções punitivas aos descumpridores das metas estabelecidas. Em suma, era o homem do chicote!



De quando em quando, o cidadão Mauro reunia os subordinados no auditório de uma concorrente, no centro da cidade, para realinhar as cifras (e distribuir chicotadas). Mas o clima de seriedade da conversa ganhava contornos de cinismo, já que, entre sorrisos irônicos e piadinhas sem graça, o chefão apertava o pescoço da turma com metas que via de regra ignoravam as características da clientela e as peculiaridades da região onde atuavam os respectivos núcleos negociais. Ou seja, a empresa fixava metas consideradas intangíveis, sobretudo pelos gerentes situados em regiões menos favorecidas do estado, o que era sempre alvo de protestos e burburinhos nessas reuniões.



Mas nem nossos frequentes insucessos no trato dos negócios nem as ameaças do superintendente acabavam com o nosso humor. Digo nosso porque eu também fazia parte do distinto rol de gerentes da empresa - a gerentalha, como dizíamos¹.



Pois bem, numa dessas tardes de reunião, aguardávamos a chegada do superintendente em pequenos grupos, dispersos pelo auditório. Entre amenidades e fofocas trabalhistas, um gerente gaiato, que participava do grupo próximo à entrada do salão, achou de ironizar, em boa voz, os excessos administrativos do... “lobo Mauro”. Para azar do pateta, o superintendente, que passava por ali na hora, tomou nota da jocosa homenagem que lhe rendiam os gerentes. Mauro parou e acenou para o grupo maledicente com um discreto sorriso de canto de boca, como quem diz: - “Vocês estão fritos!”.



No entanto, Mauro deixou transparecer a enganosa impressão de não se ter deixado afetar pela graciosa alcunha e iniciou a reunião com a costumeira ladainha. Fez desfilar gráficos, índices, resumos, estatísticas e projeções de metas que indicavam o nosso (segundo ele) medíocre desempenho (o que não era novidade!). E, à certa altura do monólogo (pois só Mauro falava), entre ameaças de encerramento das atividades desta ou daquela filial y outras cositas más, o superintendente revidou com essa: - “Não finjam que estão trabalhando, porque a empresa não finge que paga a vocês!”, um tremendo chute no saco! Um clássico da moderna administração!



É claro que não levávamos a sério os sermões administrativos, porque as ameaças de demissão por improdutividade e de fechamento de agências eram históricas (àquela altura, quase lendas). O destempero do superintendente era por nós entendido, portanto, como decorrente de seu compromisso, afinal ele também tinha metas a cumprir e, da mesma forma que nós, era cobrado por elas. Era um círculo vicioso e havia até uma certa graça nesse rebuliço. Mas o fato é que a graça parou por aí. Não tardou para que a gerentalha (quase toda) fosse demitida. A empresa, adquirida e incorporada por uma concorrente², mais adiante daria aos gerentes gerais de cada filial a ingrata tarefa de distribuir a seus colegas de gerência e demais funcionários os deprimentes “bilhetes azuis”. E nem mesmo o lobo escapou do destino reservado às ovelhas.



Era o triste fim de um tempo em que, apesar das metas sufocantes, do trabalho monocórdico e do convívio habitual com o fracasso, havia um sorriso divertido permeando a rotina dos gerentes e do pessoal do chamado “baixo escalão”.


(de Francisco Filardi, finalizado em 11/06/2016)

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¹ trocadilho com o bordão “gentalha, gentalha!” do ator Carlos Villagrán, no seriado mexicano Chaves, ou Chespirito como é conhecido no país de origem.

² a adquirente e incorporadora não fora a mesma empresa que gentilmente nos cedia o auditório.