segunda-feira, 21 de outubro de 2013

"ELES ESTÃO ENTRE NÓS": FRANCISCO FILARDI COMENTA O SERIADO "V"


ELES ESTÃO ENTRE NÓS
(Francisco Filardi)


Naves alienígenas estacionam no espaço aéreo de vinte e nove cidades, em todos os continentes da Terra. Extraterrenos, de aparência humana, chegam prometendo paz e esperança. Oferecem sua tecnologia e medicina avançadas, para dar aos terráqueos a "garantia" de uma aproximação pacífica. "Nós somos da paz. Sempre." é o que anunciam. Mas a verdade por trás das aparências é aterrorizante. Nos planos de Anna, ardilosa e cruel rainha de uma raça reptiliana, constam abduções e experiências com humanos, o extermínio dos membros da resistência (a chamada "Quinta Coluna") e a invasão ao nosso planeta. Em linhas gerais, esse é o mote de "Visitors" (2009-2011), seriado de ficção científica produzido pelo canal ABC, dos Estados Unidos, com direção de Kenneth Johnson1.

O “piloto” da série mostra a aparição de uma dessas naves sobre a cidade de Nova Iorque, o que provoca a queda de um avião da força área. Enquanto a nave terrena corta o céu em chamas, o aviador é ejetado e o que se vê, no desdobramento da cena, é um paraquedas trazendo ao solo um bisonho manequim! No entanto, tomar esse descuido técnico como referência para cristalizar uma opinião sobre o seriado é engano pueril.

Apesar dos deslizes, na montagem e no roteiro, "V" traça paralelos interessantes: não se atém à manjada crítica à versão oficial do governo sobre evidências de vida fora da Terra ou à ideia de que extraterrestres coabitam o nosso planeta, há muito2, a exemplo de outras produções. A estes, que vivem entre nós, a propósito, é atribuído o desastroso resultado de tudo o que é avesso à condição humana: o produto das ações e decisões que configuram a realidade que conhecemos (ou pensamos conhecer).

"Para poder andar entre nós, eles disfarçam a aparência clonando carne humana sobre sua pele reptiliana [...]. Os visitantes não chegaram agora. Eles estão aqui há anos. Há décadas, eles estão implementando um plano e vai resultar no extermínio de cada homem, mulher, criança, da face da Terra. Os visitantes disfarçados de humanos se estabeleceram em todas as facetas da vida. Seja nos negócios, governo, religião, forças armadas. Isto levou anos. Uma vez baseados entre nós, começaram a criar instabilidade mundial, guerras desnecessárias, crises financeiras, crenças levadas ao extremismo. O estágio final do plano dos visitantes começou quando eles se revelaram a nós. Eles ganham confiança com a promessa de amizade e tecnologia e é claro que eles estão se posicionando como os salvadores da humanidade. Quando a população descobrir tudo, já será tarde". Esse particular foi abordado também, ainda que de passagem, no quarto episódio do seriado "Taken"3, intitulado "Acid tests".

Os reptilianos estabelecem centros de cura na Terra, recuperam doentes terminais, presenteiam nossos governantes com uma poderosa fonte de energia azul, fazem maravilhas aos olhos dos cidadãos comuns e canalizam, em benefício próprio, a capacidade humana de acreditar: sua DEVOÇÃO. Induzem os terráqueos a aceitar passivamente que esses "milagres" são a resposta para seus males e aflições. A influência dos forasteiros é tal que leva fiéis a abandonarem paróquias e a questionarem Deus, provocando um racha na Igreja.

O papel da imprensa, como instrumento de manipulação da opinião pública, e a máquina de propaganda, tão fortemente empregada por Adolf Hitler, na Segunda Guerra, mostram-se eficientes no propósito alienígena de conquista da "simpatia popular". Anna (a brasileira Morena Baccarin) encontra no apresentador de noticiários televisivos Chad Decker (Scott Wolf, ótimo) o meio ideal para distorcer os fatos e fazer as coisas acontecerem em prol dos visitantes. A rainha sabe por onde começar: "Os Estados Unidos são a chave. Quando eles nos derem liberdade, os outros países farão o mesmo". E instrui os comandantes das demais 28 naves a fazerem o mesmo, nas respectivas sedes: "As opiniões mudam rápido. Monitorem e, se necessário, moldem essas opiniões em seus territórios", numa clara alusão ao nosso modo de "fazer política".

As táticas empregadas para tal são velhas conhecidas dos aparelhos militares: promover atentados e atribuir a autoria a inimigos (para justificar perseguições), introduzir infiltrados nas linhas inimigas, plantar provas, torturar para obter informações. E isso vale para ambos os lados da trincheira. Trata-se de um "jogo de xadrez", uma guerra de inteligências nos moldes do século XXI, onde cada lado procura minar a resistência do outro, minimizar as perdas e não suscitar a desconfiança dos cidadãos.

Na série, três elementos são trabalhados de forma notável: a complexidade da alma, a fragilidade das emoções e os efeitos da desestruturação do núcleo familial. As motivações individuais são pontos-chave em "V". Mesmo numa guerra, humanos e reptilianos revelam, ao longo da trama, interesses que põem à prova o êxito de suas missões. Já no que se refere aos jovens, a credulidade e a desatenção aos detalhes os tornam presas daquilo que a mera aparência os leva a ver. É o chamado "canto da sereia": a percepção da realidade que entorpece os sentidos e cega a razão. "Quando achamos que estamos ajudando nossos filhos, mais eles se distanciam", reconhece a agente do FBI Erica Evans (personagem de Elizabeth Mitchell).

"Visitors"4 não é um seriado extraordinário. Mas é interessante e merece um olhar atento. 
 

P.S.: os destaques da série são os expressivos atores Scott Wolf (Chad Decker) e Laura Vandervoort (na pele de Lisa, filha de Anna), bem como o experiente Joel Gretsch (o padre Jack Landry). Gretsch brilhou também em outras duas produções de ficção científica: a minissérie "Taken" (2002) e o seriado "The 4400" (2004-2007), cancelado após a 4ª temporada.

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1 Kenneth Johnson dirigiu também as minisséries “V: The original series” (dois episódios, 1983) e “V: The final battle” (três episódios, 1984), e a série “V: The series” (única temporada, com 19 episódios, 1985).

2 “Visitors” bebe da fonte de outro seriado televisivo, que teve carreira curta: “Os invasores” (1967-1968), produzido pela rede ABC, dos Estados Unidos. No Brasil, foi um dos primeiros exibidos na inauguração do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), em 1981 (ou outros seriados dessa fase foram “James West” e “As cruzadas”). Seu protagonista, o arquiteto David Vincent (o ator Roy Thinnes), descobre o andamento de um plano de invasão alienígena e decide percorrer o país para convencer as pessoas do perigo iminente e frustrar o intento. Os extraterrestres da série, a exemplo dos de “V”, não têm emoções e apresentam-se na forma humana.

3 A minissérie de ficção científica "Taken" ("Abduzidos"), dirigida pelo cineasta Steven Spielberg, teve seus dez episódios exibidos originalmente, em 2002, pelo Sci-Fi Channel, nos Estados Unidos. No Brasil, foi exibida pela HBO (2003), pela FOX (2005) e pela Rede Bandeirantes de Televisão (2006). Vencedora do Prêmio Emmy, a minissérie foi lançada em DVD, em seu país de origem, mas o produto não chegou ao mercado brasileiro.

4 A segunda temporada de "V" foi abreviada, devido ao declínio da audiência. Dos treze episódios previstos inicialmente, apenas dez foram gravados. A série foi cancelada, logo em seguida.

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