(texto de Francisco Filardi)
Na última semana, jornais de grande
circulação em todo o país noticiaram a ameaça de morte que a
menor Isadora Faber, de 13 anos, e sua família, residentes em Santa
Catarina, receberam pelo Facebook. À frente do blog Diário de
Classe, Isadora denuncia irregularidades identificadas em
escolas públicas, sobretudo naquela em que estuda, sob tutela do município. A ameaça foi feita sob perfil falso.
A criação de perfis falsos
e o anonimato na rede mundial de computadores remetem
ao Projeto de Lei n° 2126/2011, em trâmite no Congresso. Conhecido
como “Marco Social da Internet”, esse PL, cujo relator é o
deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), tem por finalidade
“estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o
uso da Internet no Brasil”. Iniciativa esta que, entre outras
motivações, visa a respaldar a Lei n° 9.610/98 (sobre direitos
autorais) na remoção de conteúdo ofensivo e não autorizado da
rede. Mas, no que tange a sua eficácia, o referido projeto de lei
deixa dúvidas quanto ao alcance, à clareza e à plena obediência
ao texto constitucional.
O caput e o inciso I do art.
3° do PL, por exemplo, estabelecem: “Art. 3º - A disciplina do
uso da Internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia
da liberdade de expressão, comunicação e manifestação
de pensamento, nos termos da Constituição” [...] (grifo
nosso). No que se refere à manifestação do pensamento, a
redação do inciso IV do art. 5° da Constituição Federal, que
trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, estabelece que “É
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato” (grifo nosso). Da forma como está
redigido, o texto do inciso I do art. 3° do PL dá a entender que
tão somente a primeira parte do inciso IV do art. 5° da
Constituição foi contemplada pelo legislador, podendo o cidadão
manifestar opiniões e convicções livremente na internet, de forma
pacífica ou agressiva, sob perfil verdadeiro ou falso.
De outro ângulo: segundo a
Constituição, é livre a manifestação do pensamento. Esta é uma
verdade. Mas, ao compararmos o texto do inciso I do art. 3° do PL
com o estabelecido na Constituição, entendemos que o mesmo expressa
apenas meia verdade. Isto porque a vedação ao
anonimato, prevista no texto constitucional, não figura
expressamente no PL, o que é relevante. Ainda que o relator
tenha amparado-se no texto constitucional, pois que todas as leis a
este estão vinculadas, um dispositivo legal, ou um projeto de lei,
não deve dar margem a dúvida. Uma lei que permite “interpretações”
está mal redigida. A lei necessita de ser pontual. Ou “é”
ou “não é”. Não o sendo (pontual), a eficácia da lei
recai no “que não é o que não pode ser que não é1”.
Se a criação de perfis falsos e o
anonimato na internet não forem tratados nos termos da Constituição,
perseguições, agressões e ameaças de morte continuarão a
ocorrer. Cabe à Justiça, ao Ministério Público, à Polícia
Federal, à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática e às
instituições que atuam em prol dos Direitos Humanos mudar tal
cenário - para que perseguições, agressões e ameaças de morte
não migrem do ambiente virtual para o real e tenhamos que ler nos
jornais notícias que não desejamos.
(1)
– verso de Arnaldo Antunes para a música “O quê”, da banda
paulista Titãs.
(2)
– segundo a wikipédia, o termo “cracker” (informática)
define o indivíduo que viola um sistema de segurança.
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