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A morte do cantor americano Michael Jackson nos leva a algumas linhas de reflexão sobre a relação entre pais e filhos, os fatores que influem na infância do indivíduo e seus desdobramentos na vida adulta.
Nenhum fã do cantor desconhece o fato de que desde cedo Michael e seus irmãos foram obrigados a trabalhar duro para manter fama e fortuna. Prisioneiros do próprio talento e da ambição dos pais, não tiveram infância nem adolescência. O pai, Joseph Jackson, músico e empresário, conduziu a incipiente carreira do clã sob rédea curta. Já Katherine, a mãe subserviente, jamais interveio nos assuntos da carreira ou nas surras que o marido impunha aos filhos. Quanto a esta, a motivação religiosa - talvez a ignorância – imobilizava-a, mas é provável que também ela vislumbrasse nos filhos a “mina de ouro” capaz de livrar a família das limitadas condições de vida em Gary, sua cidade natal.
Externamente, seria ignorância particularizar erros e responsabilidades, porque Michael e seus irmãos foram vítimas do meio em que nasceram. O ponto crucial é que seus pais talvez desconhecessem ou desconsiderassem os efeitos que a conduta autoritária parental exerceria sobre os filhos a longo prazo. No caso específico de Michael, o medo, a ansiedade e a desconfiança, sentimentos que permearam sua trajetória pessoal e profissional, tornaram-no um adulto débil, infantilizado. Sua personalidade foi moldada pelas referências familiais e não-familiais, nas quais prevaleceu sempre o fantasma da interferência paterna.
Nossos filhos não são marionetes. Não temos o direito de mover as cordas consoante nossa vontade e dar-lhes a direção que gostaríamos de ter seguido e por esta ou aquela razão não o fizemos. Não devemos transferir para eles a responsabilidade pelos nossos fracassos ou de realizar os sonhos que não alcançamos. Devemos respeitá-los não apenas por serem nossos filhos mas por serem humanos. Únicos. E assim diferentes de nós. São pessoas com aspirações, interesses, expectativas, experiências relacionais, ambientação informacional, enfim, realidades muito distintas das vivenciadas por nós, seus pais e avôs. Também não lhes devemos impor nossas crenças; crença não é imposição: é descoberta. É o toque de Deus no coração humano. E as maneiras que Ele encontra bem como o momento para fazê-lo nos levam a outra discussão que não cabe aqui.
Qualquer que seja a natureza da relação, devemos dispor de liberdade para compreender e aceitar as diferenças individuais. Porque liberdade, assim como o respeito, é via de mão dupla. É disposição para ouvir e retribuir; compartilhar e interagir para evoluir. Se não ouvirmos nossos filhos, se não dialogarmos com eles, se não procurarmos compreendê-los e ajudá-los, se não os conquistarmos de modo a confiarem em nós como seus amigos verdadeiros e se não admitirmos que poderemos aprender com eles, estaremos impedindo que desenvolvam suas potencialidades. E uma criança tolhida em seu desenvolvimento se torna refém dos próprios medos. E serão esses os fantasmas que a assombrarão até retornarem para cobrar a conta. Alguns desses “fantasmas” são perceptíveis ainda na infância. Crianças retraídas, que demonstram desconforto na presença de adultos e dificuldades de relacionamento podem ser vítimas de pais opressores. Um exemplo sintomático observável é quando a criança olha para os pais antes de responder a qualquer pergunta feita por outro adulto, como se à espera de aprovação ou censura.
Tal assédio psicológico e moral não permite aos nossos filhos o autoconhecimento e a realização. Deixá-los à mercê da “experimentação” saudável, ainda que o resultado da experiência não lhes seja favorável, é permitir-lhes caminhar com os próprios pés. De outra forma, uma criança ou um jovem oprimido é como uma panela de pressão: ou o gás vaza ou explode a panela. Ou o filho se rebela, ou se trancafia em si mesmo (quando é vitimado pela dependência mórbida dos pais). Estes são indivíduos que, ao atingirem a idade adulta, demonstram dificuldades de desprendimento para uma vida independente e evidenciam doenças emocionais (ou somáticas) perturbadoras.
Se a vida é um mar revolto, nossos filhos são embarcações frágeis; nossa missão, como pais, é revestir essas embarcações com material impermeável e ajudá-los a segurar o timão para que façam a travessia com segurança. E que material seria esse? Disciplina. Não a disciplina autoritária, dogmática, inflexível, mas o estabelecimento de limites baseados em valores morais. Devemos transmitir aos nossos filhos uma visão lúcida e honesta do que é a vida, sem excessos ou mentiras; ensiná-los que o mundo não funciona da maneira que desejamos, que há um ordenamento lógico nos acontecimentos e um mistério no inevitável. Devemos ensiná-los a ter consciência do que são, para que vivam o presente. E devemos, sobretudo, solidificar-lhes o espírito para as frustrações. Este será nosso maior desafio, porque antes de prepará-los precisaremos nos despir de nossas paixões e convicções, sejam estas sociais, morais, históricas, religiosas, culturais, filosóficas. Só assim conseguiremos estabelecer um diálogo verdadeiramente saudável com nossos filhos.
Enganam-se aqueles que pensam que a relação entre Michael Jackson e seus pais está distante da nossa realidade. A ausência de diálogo entre pais e filhos ocorre em qualquer bairro, cidade, estado ou país, em todo o planeta. E isto nos remete a duas questões: será que nós, pais, dispomos de base moral, equilíbrio emocional, estrutura psicológica, bagagem cultural e vivência para amparar nossos filhos nos momentos em que a turbulência do mar os faz perder o timão? Como poderemos auxiliar nossos filhos a planejarem a rota de suas vidas se não conseguimos planejar a nossa? Estaremos preparados?
Muitos pais reproduzem de modo automático os erros da própria criação e caem inocentemente na armadilha de se julgarem conhecedores do que “é melhor” para seus filhos; usam da persuasão ou da coerção para fazê-los cumprir o que planejaram, sem se importar com o que seus filhos pensam ou sentem. É líquido e certo que esse “método” produzirá efeitos colaterais, cedo ou tarde. Michael Jackson reivindicava para si as características da personagem Peter Pan, de J.M. Barrie, o menino que se recusava a crescer, numa clara alusão à infância (que não teve); contudo, esqueceu-se de que, na vida real, James Hook (o Capitão Gancho, personificação da vida adulta) SEMPRE mata Pan.
O futuro é logo ali. E só poderemos pensar no futuro se hoje pavimentarmos a estrada. Se dermos motivos aos nossos filhos para que não confiem em nós, seus pais, a relação estará perdida, sem presente ou futuro, para nós e para eles.
Francisco Filardi
Francisco,
ResponderExcluirQue bom encontra-lo por aqui depois de tanto tempo.
Lucido e reflexivo o seu texto.
Nós como pais temos uma grande responsabilidade perante nossos filhos, o futuro deles depende muito do que nos lhes transmitimos. Valores morais e intelectuais são a base para uma vida justa e correta.
Michael foi um martir nas mãos dos pais
e será para sempre uma lenda.
Pena que com tanta capacidade não pode direcioná-la de uma maneira sadia.
bjs
Doroni
Bom retorno!
ResponderExcluirFeliz dia dos Pais para todos!
Eduardo:)
Retorno triunfal e reflexivo.
ResponderExcluirGrande abraço.
Anita
Muito legal o texto!
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