RESPEITO SERVIDO EM BANDEJAS
(de Francisco Filardi)
Lembro-me
de ter discutido com um colega de turma, na pós-graduação, sobre
isso. Não me recordo do fio puxado da meada, mas o estopim da
conversa foi ele ter afirmado, de forma categórica, que não
recolhia a bandeja, após as refeições, em praças de alimentação
de shoppings. Motivos: 1) porque
estava pagando; 2)
porque lá havia pessoas para tal serviço.
Vejo
um problema sério aí: de fato, há profissionais pagos para a
manutenção das condições de higiene nas praças de alimentação,
mas isso nada tem a ver com deficiência na formação moral. Rastro
de sujeira sobre a mesa causa desconforto a quem fará sua refeição
em seguida. Nos horários críticos, além da dificuldade de
acomodação, é inviável retirar a bandeja de quem anteriormente
ocupou o assento. É inviável em qualquer circunstância. O não
recolhimento da bandeja é desrespeitoso para com os demais
consumidores e para com aqueles que atuam em estabelecimentos
comerciais. Significa não pensar no outro e no trabalho do
outro.
O
fato de “estar pagando”, seja pelo serviço, seja pelo produto,
não justifica o desleixo. Não é pelo fato de “estar pagando”
a uma empregada doméstica que alguém deva se achar no direito de
fazer da sua casa um chiqueiro; não é pelo fato de “estar
pagando” ingresso que o cidadão deva se achar no direito de
esticar as pernas e pôr os pés na (ou chutar a) poltrona da frente,
em teatros e cinemas, ou de arremessar objetos em ginásios
poliesportivos e estádios de futebol; não é pelo fato de “estar
pagando” impostos que alguém deva se achar no direito de atirar
lixo nas calçadas, nas ruas, em terrenos baldios.
A
foto que ilustra este texto foi realizada da plataforma dos trens da
Supervia, estação Méier. No prédio em frente, situado na rua
Arquias Cordeiro, consta a inscrição “vício arriscado”, uma
referência à pichação. As “assinaturas” dos pichadores podem
ser vistas por toda a cidade, emporcalhando as fachadas dos prédios,
poluindo a beleza das construções e entristecendo nossos
concidadãos que desejam viver com um mínimo de dignidade, conforto
e limpeza. Se considerado isoladamente, esse “vício arriscado”
parece inofensivo, mas é a frequência com que ocorre que o torna
uma ameaça. O mesmo pode-se dizer sobre o hábito de permitirmos
lixo em locais impróprios. Este é também vício – que se torna
risco conforme a frequência. E vícios são fenômenos cíclicos,
repetem-se e seus efeitos tendem ao ponto de partida: daí a
expressão “círculo vicioso”.
Pensemos
o seguinte: após a realização de eventos de grande porte, a
exemplo do Réveillon, do Carnaval e das Eleições, todos nos
condoemos dos garis, tamanha a quantidade de lixo que devem retirar
das ruas. Por que não nutrimos o mesmo sentimento em relação aos
profissionais que manuseiam quantidades “menores” de lixo, a
exemplo daqueles que atuam em shoppings? A natureza e as condições
de trabalho são as mesmas; distintas apenas as personagens e o
cenário.
Se
nós, cidadãos, aprendermos a lidar com o lixo, a cidade não
sofrerá com inundações, desabamentos e doenças decorrentes. É
uma questão cultural, educacional. De mudança de paradigma, de
comportamento. Mais que isso: precisamos considerar o significado da
palavra cuidado. Vovó dizia: “quem cuida, ama”.
E tudo começa na família. Ao ensinarmos aos nossos filhos que o
lixo tem seu lugar devido, estaremos construindo um sistema de
valores em que o respeito por si e pelo outro fará A
diferença.
Pode
não parecer, mas recolher uma bandeja faz diferença.
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