sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O FIM DA ERA ROMÂNTICA, de Francisco Filardi


Vivemos a era das falsificações. Da falsificação de produtos. Da falsificação da verdade. Da falsificação de pessoas. Vivemos a era da coisificação do ser, do botox, dos implantes, da cirurgia plástica, do sampler, do meme, do kitsch; da quantificação, das estatísticas; das relações falidas, dos desejos inúteis, dos sentimentos vagos; da violência, do vale tudo, da estupidez dos programas da TV, das coisas sem sentido. De um tempo que é a experiência do que não vivemos. Da indiferença.

Curtimos coraçõezinhos, estrelinhas, cubinhos de gelo. Curtimos. Vivemos a era da adjetivação. Não conjugamos verbos. Não sabemos o que é amar, aproximar, conquistar, envolver, cultivar. Talvez sejam (d)efeitos da globalização. Talvez não. Mas é fato que a era romântica acabou. Há muito. É provável que a geração de nossos avós tenha sido a última que conheceu o amor em sua plenitude. Nós... somos não mais que reféns da nossa incompreensão, de nossa impotência, de nossa incompetência.

Foi-se o tempo em que éramos felizes... Tempos idos da infância e da adolescência, em que depois das aulas percorríamos os sebos de discos, no centro da cidade, à cata de alguma joia intocada. Tempo em que as lojas do Bob's eram parada obrigatória e o Big Bob ERA um BIG BOB: bastava a primeira mordida para que o molho se espalhasse em nosso rosto e um sorriso nos invadisse a alma. A felicidade estava nas coisas simples...

Foi-se o tempo em que nos deliciávamos ao sabor de um Chokito, aquele com leite condensado, caramelizado, com flocos crocantes e chocolate Nestlé; o tempo das bicicletas Monark Black Tiger, do guaraná Taí, do bafo-bafo com figurinhas, do futebol de botões, da Vila Sésamo, do Carequinha, do Capitão AZA, dos Trapalhões, da Bruna Lombardi, da Farraw Fawcet, da Linda Carter, da Janete Clair, do Dias Gomes, do Cassiano Gabus Mendes, da Paula Saldanha, do Globinho Supercolorido e do "zing pow!, do cinto de inutilidades".

Foi-se o tempo em que passávamos duas ou três sessões consecutivas, à tarde, namorando nos cinemas (qual era mesmo o nome do filme?). Foi-se o tempo em que passeávamos de mãos dadas pela praça Saenz Peña e tomávamos um sorvete no Rick ou um café no Palheta. Tempo em que íamos à padaria do "seu" Joaquim, pontualmente às 15 horas, esperar por aquela fornada de bisnagas quentinhas que devorávamos com manteiga derretida...

Foi-se o tempo de Coca-Cola é isso aí, de O mundo trata melhor quem se veste bem, de Bonita camisa, Fernandinho!, de Não se esqueça da minha Caloi!. Foi-se o tempo em que ficávamos loucos para descobrir o "endereço do cachorrinho" das Casas Tavares. Foi-se o tempo do inesquecível Carlos Moreno, o mais genial garoto-propaganda da TV e da publicidade no Brasil. Foi-se o tempo em que as meninas aprendiam que O primeiro Valisére a gente nunca esquece...

Foi-se o tempo em que jogávamos bola na rua, nos fins de semana. Foi-se o tempo em que, durante a semana, jogávamos futebol ANTES da escola e adentrávamos a sala de aulas totalmente suados, sujos, fedorentos, mas não estávamos nem aí, porque aquela era simplesmente a melhor época de nossas vidas. E nem fazíamos ideia...

Foi-se o tempo em que acreditávamos que haveria um futuro, em que carregávamos a Pátria no lado esquerdo do peito e tínhamos o hino nacional na ponta de nossas línguas. Foi-se o tempo em que ser brasileiro era um privilégio. Foi-se o tempo em que honrávamos nossa bandeira, tínhamos orgulho, vibrávamos e lutávamos por um ideal. Foi-se o tempo em que os amigos, os amores, os sonhos e os delírios da infância eram verdadeiros. Foi-se o tempo em que acreditávamos. Foi-se o tempo em que éramos felizes.

Texto adaptado do Editorial originalmente publicado na edição impressa n° 38 de Intervalo Entretenimento & Mídia, ano VII, em Mai/Jun 2005.

Agradecemos ao Paulo Joubert Alves de Souza, editor do Cine HQ, de Belo Horizonte/MG, pela recuperação do texto.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

SPEED RACER, UM DOS GRANDES CLÁSSICOS DA ANIMAÇÃO JAPONESA


Concebido e ilustrado por Tatsuo Yoshida, o mangá Mach Go Go Go tornou-se popular no Japão anos 60 por narrar a história de um carro de corridas especial e seu jovem piloto, Go Mifune.

Nessa época, Yoshida e seus irmãos, Kenji e Ippei, adquiriram a produtora Tatsunoko e decidiram levar Mach Go Go Go para a TV, numa série de 52 episódios com duração média de 24 minutos.  O sucesso foi tal que a produtora Trans-Lux, dos Estados Unidos, adquiriu os direitos de Mach Go Go Go em 1967, introduzindo modificações para adaptá-lo ao público estadunidense.  Assim, o piloto foi rebatizado Speed Racer e o carro, Mach 5.

A dublagem que consagrou Speed Racer no Brasil (do já falecido ator Cleonir dos Santos), realizada pela Telecine do Rio de Janeiro, perdeu-se num incêndio na TV Record.  Uma segunda dublagem foi realizada em três fitas VHS, lançadas no final da década de 80, sem preservar os nomes utilizados na versão original.  O resultado foi desastroso.  Já a terceira dublagem, da Sincrovideo, é de boa qualidade e foi apresentada pela Rede Record, pelo Cartoon Network e pelo Boomerang.

Corridas alucinantes, carros com recursos tecnológicos, intrigas, comédia, ação e aventura são os principais elementos desses que é um dos maiores clássicos animê de todos os tempos.  Speed Racer conquistou milhares de fãs em todo o mundo, inclusive no Brasil onde estreou em 1974 e é cultuado até hoje.  Foi exibido pela Tupi (no programa do Capitão AZA), Globo, SBT e MTV.  Nos anos 80, a mesma equipe que produziu a animação Tartarugas Ninja realizou 13 episódios de um Speed Racer diferente do conhecido.  Em 1997, para comemorar os 30 anos da animação original, a Tatsunoko produziu 26 novos episódios, recontando a história do piloto.  Já em quadrinhos, o mangá que deu origem à série foi lançado no Brasil em 2000 pela Conrad Editora e uma versão da série, no formato estadunidense, foi publicada pela Editora Abril.


Speed Racer foi um animê de baixo custo, com acabamento técnico mediano e histórias simples, mas de grande repercussão em meio aos jovens, devido ao carisma e ao arrojo de Speed e ao espetacular Mach 5, um supercarro desenvolvido por Pops Racer, pai do piloto.  Speed conta ainda com a apoio da mãe Mom Racer, da namorada Trixie, do mecânico Sparky, de seu irmão caçula Gorducho e seu chimpanzé Zequinha (ambos responsáveis pelas tiradas cômicas da série) e do misterioso Corredor X (Rex Racer, irmão mais velho de Speed, que saiu de casa ainda jovem após brigar com o pai).

Para deleite dos fãs, vários episódios da série são comercializados no Brasil, a preços módicos. 

Texto adaptado da internet e publicado originalmente na edição impressa de Intervalo Entretenimento & Mídia, edição n° 35, de Nov/Dez 2004.

Agradecemos ao Paulo Joubert Alves de Souza, editor do Cine HQ, de Belo Horizonte/MG, amigo de Intervalo Cultural - RJ, pela recuperação da matéria. 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O DISCURSO FINAL DE CHAPLIN, EM "O GRANDE DITADOR"

O DISCURSO FINAL DE "O GRANDE DITADOR"*
Charles Spencer Chaplin - 1940


"Perdoem-me, mas eu não quero ser um imperador. Não é este o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar a todos, se possível: judeus, gentios, negros, brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para o seu infortúnio. Não queremos odiar e desprezar uns aos outros. Neste mundo há lugar para todos. A terra é boa e rica e pode alimentar a todos.

O modo de vida poderia ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos nos tornaram cínicos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem estas virtudes, a vida será de violência e tudo estará perdido.

A aviação e o rádio nos aproximaram. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora, milhões de desesperados, - homens, mulheres, crianças -, são vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir, eu digo: "Não desespereis!". A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. O ódio dos homens desaparecerá, os ditadores sucumbirão e o poder que do povo arrebataram haverá de retornar ao povo. E assim, enquanto morrerem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses homens cruéis, a esses homens que vos desprezam, que vos escravizam, que querem reger as vossas vidas, que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos treinam e vos tratam com desprezo, para depois sacrificar-vos na guerra! Não vos entregueis a esses homens artificiais, homens-máquinas, com mente e coração de máquinas! Não sois máquinas! Não sois desprezíveis! Homens é o que sois! E como o amor da humanidade em vossos corações! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar, os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não luteis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem, ou de um grupo de homens, mas de todos os homens!   Está em vós!  Vós, o povo, tendes o poder! O poder de criar máquinas! O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela, de torná-la uma aventura maravilhosa. Portanto, em nome da democracia, usemos desse poder, unamo-nos todos! Lutemos por um mundo novo, um mundo decente que a todos assegure a oportunidade de trabalho, que dê futuro à juventude e segurança à velhice!

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas eles mentem! Não cumprem suas promessas. Jamais as cumprirão! Os ditadores libertam a si mesmos, porém escravizam o povo. Lutemos agora para cumprir essas promessas! Vamos lutar para libertar o mundo, para derrubar as fronteiras nacionais, para banir a ganância, o ódio e a intolerância! Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à felicidade de todos! Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês, Hannah?! O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!".

* texto publicado originalmente na edição impressa de Intervalo Entretenimento & Mídia, n° 27, de Jul/Ago 2003, pág. 8.

Agradecemos ao Paulo Joubert Alves de Souza, editor do Cine HQ, de Belo Horizonte/MG, amigo de Intervalo Cultural - RJ, pela recuperação da matéria. 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

UMA HOMENAGEM A RICK JAMES, ARTISTA DOS "FUNKADÕES"


GOODBYE, MR. SUPERFREAK
 (de Francisco Filardi)*



A primeira vez que ouvi Rick James foi em 1978, ano em que as discotecas ganhavam o país, em parte devido a exibição da novela Dancin' Days, de Gilberto Braga.

Na época, eu me iniciava em música e acompanhava a programação das rádios AM, em especial a da América 1. Get off (Foxy), Three times a lady (The Commodores), Le freak (Chic) e Automatic Lover (D. D. Jackson) se destacavam entre as mais executadas, e James, então com trinta anos, emplacava You and I, um pancadão funk com oito minutos de duração, que até hoje faz muita gente balançar em festas de flashback. A faixa era o "carro-chefe" de seu álbum de estreia, Come get it!, que contava com o apoio da The Stone City Band. É desse disco também a balada Mary Jane.

No ano seguinte, James estouraria Love Gun, do álbum Fire it up, outro funk poderoso com bom trabalho de baixo e metais. Mas foi somente em 1981 que pude manusear um disco de Rick James. Esse trabalho, que o catapultou definitivamente ao estrelato, trazia faixas como Give it to me baby, Superfreak, Ghetto life e a balada Fire and desire (esta, em parceria com Teena Marie) e renderam ao álbum Street Songs uma indicação ao Grammy de Melhor Álbum de R&B. Esse disco é tão representativo para sua carreira que ganhou uma reedição em 2001, numa dupla edição de luxo, sendo o segundo disco uma gravação ao vivo da época de seu lançamento, em Long Beach, Califórnia.

James, com sua voz ácida, "funkadões" altamente dançantes e clipes e capas de discos trazendo mulheres tremendamente sexy, emplacaria ainda Dance wit' me e Standing on the top (esta, uma inútil tentativa de soerguer a carreira dos Temptations), em 1982; Cold Blooded e Ebony Eyes (inesquecível balada em parceria com William Smokey Robinson) viriam em 1983.

Mas o fim da discoteca, no início dos anos 80, seria um duro golpe para a carreira do artista. Sem contrato e deprimido, Rick James envolveu-se com drogas, foi preso e cumpriu três anos na Folsom State Prison, na Califórnia. Ao sair, lançou Urban rapsody (1987), cujas letras tratam de sua experiência na prisão, sobretudo da chacota dos policiais (I'll be watching you, Mr. Superfreak). Esse disco teve discreta aceitação no Brasil.

James deixou um álbum pronto para ser lançado em 2005, quando faleceu a 06/08/2004, aos 56 anos, de falência cardíaca e pulmonar, devido a complicações da diabetes e de um AVC. Suas coletâneas mais expressivas intitulam-se Bustin' out (1994) e Anthology (2002).

*Texto publicado originalmente no editorial da edição n° 35, de Nov/Dez 2004, da edição impressa de Intervalo Entretenimento & Mídia.

Agradecimentos ao Paulo Joubert Alves de Souza, editor do Cine HQ, de Belo Horizonte/MG, amigo de Intervalo Cultural - RJ, pela recuperação da matéria.