quinta-feira, 21 de abril de 2016

O ATESTADO DO FALSO MARECHAL, DE FRANCISCO FILARDI


Rondon estagiava, há pouco mais de um ano, em uma agência bancária no centro da cidade. No posto de assistente da gerência, sua atribuição básica era municiar o comitê com os relatórios do dia e registrar no sistema as contratações e as renovações dos investimentos da clientela: CDB, RDB, poupança, fundos e por aí vai.

O rapazote era até responsável para a idade (tinha vinte e três anos): demonstrava interesse pelo trabalho, cumpria com o seu dever e era assíduo, o que agradava ao corpo gerencial. Era bem humorado e cortês com a clientela, por isso não tardou em conquistar a simpatia dos colegas.

Rondon, como se sabe, é um sobrenome raro. Na agência em que o moço trabalhava, ninguém conhecera um homônimo além do Marechal Cândido Mariano da Silva, notável militar e sertanista brasileiro, criador do Serviço de Proteção ao Índio. Mas logo no início da carreira do estagiário, um gerente gaiato tratou de vinculá-lo ao histórico compatriota, concedendo-lhe a alcunha de marechal. O apelido (mais zombeteiro que carinhoso) pegou, apesar da patente às avessas desse marechal estagiário que recebia ordens.

Pois bem, em certa manhã Rondon não compareceu ao serviço. Só no início da tarde um colega da agência ficara sabendo que o louvado estagiário andava enfermo. Diagnóstico: virose, doença genérica inqualificável (já que ninguém sabe do que se trata). A de Rondon era daquelas brabas, que deixa a vítima em estado febril, com as pernas bambas e sem arredar os pés das cercanias do banheiro. Haja soro caseiro! Repouso! Paracetamol! A coisa foi tão feia que a convalescença do rapaz duraria ainda mais cinco dias.

Retornando ao serviço, Rondon apresentou o atestado médico ao gerente geral, para as providências de praxe. O documento, em impresso próprio, trazia endereço, telefones, e-mail, bem como o carimbo, o CRM e a assinatura da profissional que o atendera. Tudo dentro dos conformes, se não fosse por um detalhe: a médica atestante era ginecologista! Explica-se: uma tia do estagiário, graduada em medicina e especializada na área, prestara atendimento de urgência na residência do rapaz, já que este, enfraquecido pela doença, não tinha condição de sair. Prescrevera-lhe a medicação e fornecera ao sobrinho o atestado com o carimbo de costume!

Ao receber o documento, o gerentão segurou o riso, transformado em frouxa gargalhada assim que o estagiário lhe deu as costas. A informação, a princípio, fora repassada ao corpo de gerentes, mas logo chegaria também ao conhecimento de escriturários, caixas e chefes de serviço, no melhor estilo escravos de Jó. De quando em quando, explodiam entre os funcionários sonoras gargalhadas, face a reprodução da história do atestado. A essa altura, o estagiário não entendia por que seus colegas demonstravam tamanha felicidade, justo numa segunda-feira. É claro que confidenciaram ao rapaz o motivo da tal felicidade. Ele, que não percebera o engano da tia, gargalhou também.

E o estagiário boa praça permaneceu querido pelos colegas. Agora, sob a alcunha de... marechala.

(Francisco Filardi - finalizado a 20.04.2016)