quarta-feira, 21 de junho de 2017

BISNAGA, DE FRANCISCO FILARDI



Foi Douglas quem apareceu com a novidade. E Samuel, seu amigo de infância, o primeiro a saber. Assim que o amigo chegou a sua casa, fez as apresentações. Havia adotado um cachorrinho da raça pug, a quem batizara de Bisnaga. Bisnaga! Isso lá é nome de cachorro? Foi o que perguntou Samuel a si mesmo, assim que deu de cara com o bicho. De fato, não. Mas explica-se: o recém-chegado alcançava o Nirvana só de sentir o cheiro de pães franceses saídos do forno. O canino era tão cara de pau que não resistia a um francesinho na manteiga! Isso era tão sério que, mal chegava da padaria, Douglas tinha que dar um pãozinho ao Bisnaga, antes mesmo de pôr a mesa para o lanche, tal a impaciência do bicho. Foi devido a essa nobre esganação que Douglas deu ao pug um nome a ver com a grandeza de seu apetite, não com o porte. Mas o nome não era o problema do bichinho.

Logo que Samuel se acomodou num canto no sofá, Bisnaga, que estava sobre uma almofada, no extremo oposto, levantou a cabeça e, com os dentes à mostra, rosnou para o intruso, num claro sinal de que não o desejava ali. Mas a coisa ficou nisso, é bom que se diga. Bisnaga não era chegado a implicâncias, muito menos a brigas. Nada tirava a sua paz, desde que não o incomodassem naquele canto mágico do sofá. Samuel bem que tentou, mas não conseguiu convencer o Bisnaga de que estava ali em missão de paz.

- Seu cachorro está com defeito, Douglas! - provocou Samuel.

- Defeito?! - estranhou o amigo.

- É! Ele não é lá muito certo da cabeça... rosna o tempo todo!

- Não, Samuel. No geral, ele é sossegado. Gosta desse canto do sofá - disse Douglas, apontando com o queixo -, onde se deixa afundar na almofada. Acha que o sofá é só dele. Até comigo ele, às vezes, implica!

Foi quando Samuel teve a ideia: ergueu a cabeça na direção do teto, encheu os pulmões e soltou um uivo, daquele que os lobos soltam para a lua. Bisnaga, que tinha os olhos fixos no estranho, arregalou olhos e orelhas. Inclinou também a cabeça para o alto e fez coro. Samuel uivava de cá, Bisnaga uivava de lá. Assim nasceu uma longeva amizade. Quem não gostou da brincadeira foi Douglas, que desde então tem que aguentar aquele duplo uivado no sofá, todo fim de semana. Haja!

(de Francisco Filardi, finalizado em 21/06/2017)

terça-feira, 20 de junho de 2017

MULHER MARAVILHA (2017) NÃO É ISSO TUDO...



Após ouvirmos comentários favoráveis sobre o filme Mulher Maravilha (2017), Intervalo Cultural Rio foi ao cinema dar uma conferida na história de Zack Snyder, Jason Fuchs e Allan Heinberg (este último quem assina o roteiro).

Themyscira é uma ilha paradisíaca, inacessível aos humanos, onde vivem somente mulheres guerreiras, as Amazonas, que treinam para a batalha iminente contra Ares, o Deus da Guerra (David Thewlis, o professor Lupin da franquia Harry Potter). A ilha é descoberta com a chegada acidental do capitão da Força Aérea dos EUA, Steve Trevor (Chris Pine), em fuga dos alemães, durante a Primeira Guerra Mundial. Trevor é resgatado do mar por Diana (Gal Gadot) e, a partir daí, estabelece-se um paralelo com a Bíblia; ao conhecer a verdade sobre o mundo dos homens, cai por terra a inocência de Diana (o que corresponde à perda da inocência do homem no Paraíso de Deus). Diana, princesa de Themyscira, filha de Hipólita (Connie Nielsen) e Zeus, seria a versão feminina de Jesus, uma vez que a deusa deixa o paraíso e vem à Terra para salvar o homem de si mesmo.

Esse paralelo, ainda que não óbvio, não salva o filme de Patty Jenkins da armadilha dos clichês, como na cena da morte de Antíope (Robin Wright), tia de Diana, a quem deixa o seu legado, ou ainda em cenas exageradas e inverossímeis, como o ataque de Diana ao front alemão. A intensidade da ação desloca a atenção do espectador para o que não é essencial. Nesse ponto, não há como não lembrar de "A vida é bela" (1997), do italiano Roberto Benigni, filme que apresenta uma boa ideia, mas cheia de furos. Decerto, o cinema, bem como a Arte de modo geral, não possui relação com a verossimilhança, mas compreendemos que quanto mais distante do crível estiver a história, menor será seu poder do convencimento. É o caso de Mulher Maravilha. Ou seja, o filme carece de uma lapidada nos excessos.

As cenas de ação, que impactam na garotada, são bem desenvolvidas, mas a produção de Snyder se vale da mesma técnica de combate empregada em "300" (releitura de "Os 300 de Esparta", de 2007), que dirigiu. Nada que não tenhamos visto. Assim sendo, Mulher Maravilha é previsível, como a esmagadora maioria dos filmes de heróis. Na batalha final contra Ares, não há como não lembrar de Cyclope, dos X-Men.

Ao contrário do que vem sendo discutido na imprensa, Mulher Maravilha não é um filme que prega o feminismo ou o empoderamento da mulher. O que se propõe é mais amplo. É sobre a crença/descrença no ser humano, sobre essa criatura confusa, cheia de idiossincrasias e dramas pessoais e coletivos, capaz de maravilhas e de abominações. Ou seja, é sobre a validade de lutarmos pela humanidade. A luta de Diana Prince é a luta das pessoas de bem, em todo o planeta.

Por fim, a atuação de Gal Gadot, atriz de beleza comum e charme juvenil, não compromete. Mas, no geral, Mulher Maravilha é diversão pipoca, não passa de um filme mediano.

(Filardi)