sexta-feira, 19 de março de 2021

LONGUINHO


No início da década de noventa, eu trabalhava em uma agência bancária situada no Castelo, bairro não oficial anexo ao centro do Rio de Janeiro.


A agência, de médio porte, dispunha de um razoável volume de negócios e de uma carteira de clientes formada, em sua maioria, por assalariados. Apesar de localizada em área de concentração bancária, a mesma distava das vias arteriais do Centro, onde corria o fluxo de grandes clientes. Por essa razão, e pela natureza de sua clientela, a agência recebia, da alta administração do Banco, rotineiras ameaças de encerramento das atividades, face a dificuldade da equipe no atingimento das sempre questionáveis metas estipuladas.


Quando passei a atuar no corpo gerencial, um colega apresentou ao comitê1 da agência uma proposta de empréstimo formulada por um recém-ingressado correntista. O cliente era amigo de longa data desse meu colega, atuava na área do comércio e vinha passando por momento financeiro delicado. Como se tratava de conhecido de um membro do comitê (considerados os riscos da operação, claro), a proposta foi aprovada, sem ressalvas, e o valor pretendido, depositado, cerca de 24 horas depois, na respectiva conta.


No entanto, dias depois do vencimento da primeira parcela do empréstimo, transcorridos sem a manifestação do cliente, o gerente geral da agência veio ter comigo e com o colega defensor do empréstimo:


- Conversem com o cliente e vejam o que conseguem. Se necessário, renegociem a dívida, pois a Superintendência está apertando o nosso (= o do colega = o meu) pescoço.


E tratamos de cumprir com o que nos cabia. Contudo, não localizamos o cliente no endereço informado em sua ficha cadastral. Foram necessárias quase duas semanas mais para que o meu já quase desesperado colega descobrisse o paradeiro comercial de seu amigo de longa data.


Informamos o fato ao gerente geral e rumamos para o novo endereço. Atravessamos a Cinelândia e descemos a rua Uruguaiana, em direção ao “camelódromo”, até darmos num prédio antigo, de aparência triste. Subimos ao segundo piso, por um elevador com porta pantográfica, e lá estava o cliente que, ao ver-nos, mostrou-se mais embaraçado que surpreso. Desculpou-se pelo “atropelo” das últimas semanas, esclareceu que o primeiro trimestre do ano lhe havia resultado em prejuízo e que optara, havia pouco, por mudar de negócio. Ainda no ramo do comércio (não me recordo de que produto vendia em sua proposta anterior), agora se aventurava na venda de brinquedos. Estávamos a cerca de quinze dias da Páscoa e o cliente nos prometeu algum dinheiro após o feriado, conforme o resultado das vendas.


Eu e meu colega nos entreolhamos, já reconhecendo, a essa altura, que o propósito da visita se perdera. Antes, porém, de darmos por encerrada a sessão, o cliente nos pediu que o aguardássemos. Dirigiu-se ao depósito e, minutos depois, retornou com duas caixas de aproximadamente trinta e cinco centímetros de altura, cada. Eram coelhos de pelúcia, os quais ofereceu-os a mim e ao meu colega. Entendemos que a oferta era uma espécie de mea culpa por ele ter sumido do mapa sem comunicar ao Banco. Se o cliente ficou desconcertado com a nossa visita, também nós o ficamos face o inusitado da situação. Afinal, ganhar coelhos de pelúcia era algo inédito em nossas carreiras como bancários. Mas o que nos chamou a atenção mesmo foi o nome dos coelhos: Longuinho.


Ao término da nossa visita, eu e o colega deixamos o claustrofóbico edifício, ganhando a rua Uruguaiana; e tomamos o caminho de regresso à agência, subindo em direção à Cinelândia, cada qual com o seu “Longuinho” debaixo do braço. Foi quando recebi uma cutucada. O colega foi direto ao ponto:


- Pois é, Chiquinho, vamos chegar à agência sem o puto de um tostão no bolso e o gerente geral vai querer é enfiar o Longuinho na gente…


É fato que não fazíamos ideia do que nos aguardava quando adentrássemos a agência e se a situação era para rir ou chorar. Mas garanto que essa não era a nossa preocupação de momento; o problema é que a embalagem do brinquedo não continha apenas o coelho de pelúcia, mas uma robusta cenoura...


1 comitê – as decisões no nível gerencial são tomadas com a participação de todos os gerentes da agência (gerente geral e os de pessoa física e jurídica).

Filardi