sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O DISCURSO FINAL DE CHAPLIN, EM "O GRANDE DITADOR"

O DISCURSO FINAL DE "O GRANDE DITADOR"*
Charles Spencer Chaplin - 1940


"Perdoem-me, mas eu não quero ser um imperador. Não é este o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar a todos, se possível: judeus, gentios, negros, brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para o seu infortúnio. Não queremos odiar e desprezar uns aos outros. Neste mundo há lugar para todos. A terra é boa e rica e pode alimentar a todos.

O modo de vida poderia ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos nos tornaram cínicos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem estas virtudes, a vida será de violência e tudo estará perdido.

A aviação e o rádio nos aproximaram. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora, milhões de desesperados, - homens, mulheres, crianças -, são vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir, eu digo: "Não desespereis!". A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. O ódio dos homens desaparecerá, os ditadores sucumbirão e o poder que do povo arrebataram haverá de retornar ao povo. E assim, enquanto morrerem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses homens cruéis, a esses homens que vos desprezam, que vos escravizam, que querem reger as vossas vidas, que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos treinam e vos tratam com desprezo, para depois sacrificar-vos na guerra! Não vos entregueis a esses homens artificiais, homens-máquinas, com mente e coração de máquinas! Não sois máquinas! Não sois desprezíveis! Homens é o que sois! E como o amor da humanidade em vossos corações! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar, os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não luteis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem, ou de um grupo de homens, mas de todos os homens!   Está em vós!  Vós, o povo, tendes o poder! O poder de criar máquinas! O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela, de torná-la uma aventura maravilhosa. Portanto, em nome da democracia, usemos desse poder, unamo-nos todos! Lutemos por um mundo novo, um mundo decente que a todos assegure a oportunidade de trabalho, que dê futuro à juventude e segurança à velhice!

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas eles mentem! Não cumprem suas promessas. Jamais as cumprirão! Os ditadores libertam a si mesmos, porém escravizam o povo. Lutemos agora para cumprir essas promessas! Vamos lutar para libertar o mundo, para derrubar as fronteiras nacionais, para banir a ganância, o ódio e a intolerância! Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à felicidade de todos! Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês, Hannah?! O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!".

* texto publicado originalmente na edição impressa de Intervalo Entretenimento & Mídia, n° 27, de Jul/Ago 2003, pág. 8.

Agradecemos ao Paulo Joubert Alves de Souza, editor do Cine HQ, de Belo Horizonte/MG, amigo de Intervalo Cultural - RJ, pela recuperação da matéria. 

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