segunda-feira, 18 de julho de 2016

APRENDENDO A PENSAR, DE STEPHEN KANITZ





A maioria das aulas que tive foi expositiva. Um professor, normalmente mal pago e por isso mal-humorado, falava horas a fio, andando para lá e para cá. Parecia mais preocupado em lembrar a ordem exata de suas idéias do que em observar se estávamos entendendo o assunto ou não. 
 

Ensinavam as capitais do mundo, o nome dos ossos, dos elementos químicos, como calcular o ângulo de um triângulo e muitas outras informações que nunca usei na vida. Nossa obrigação era anotar o que o professor dizia e na prova final tínhamos de repetir o que havia sido dito. 
 

A prova final de uma escola brasileira perguntava recentemente se o país ao norte do Uzbequistão era o Cazaquistão ou o Tadjiquistão. Perguntava também o número de prótons do ferro. E ai de quem não soubesse todos os afluentes do Amazonas. Aprendi poucas coisas que uso até hoje. Teriam sido mais úteis aulas de culinária, nutrição e primeiros socorros do que latim, trigonometria e teoria dos conjuntos. 
 

Curiosamente não ensinamos nossos jovens a pensar. Gastamos horas e horas ensinando como os outros pensam ou como os outros solucionaram os problemas de sua época, mas não ensinamos nossos filhos a resolver os próprios problemas. 
 

Ensinamos como Keynes, Kaldor e Kalecki, economistas já falecidos, acharam soluções para um mundo sem computador nem internet. De tanto ensinar como os outros pensavam, quando aparece um problema novo no Brasil buscamos respostas antigas criadas no exterior. Nossos economistas implantaram no Brasil uma teoria americana de “inflation targeting”, como se os americanos fossem os grandes especialistas em inflação, e não nós, com os quarenta anos de experiência que temos. Deu no que está aí. De tanto estudar o que intelectuais estrangeiros pensam, não aprendemos a pensar. Pior, não acreditamos nos poucos brasileiros que pensam e pesquisam a realidade brasileira nem os ouvimos. Especialmente se eles ainda estiverem vivos. É sandice acreditar que intelectuais já mortos, que pensaram e resolveram os problemas de sua época, solucionarão problemas de hoje, que nem sequer imaginaram. Raramente ensinamos os nossos filhos a resolver problemas, a não ser algumas questões de matemática, que normalmente devem ser respondidas exatamente da forma e na seqüência que o professor quer.


Matemática, estatística, exposição de idéias e português obviamente são conhecimentos necessários, mas eu classificaria essas matérias como ferramentas para a solução de problemas, ferramentas que ajudam a pensar. Ou seja, elas são um meio, e não o objetivo do ensino. Considerar que o aluno está formado, simplesmente por ele ter sido capaz de repetir os feitos intelectuais das velhas gerações, é fugir da realidade.


Num mundo em que se fala de “mudanças constantes”, em que “nada será o mesmo”, em que o volume de informações “dobra a cada dezoito meses”, fica óbvio que ensinar fatos e teorias do passado se torna inútil e até contraproducente. No dia em que os alunos se formarem, mais de dois terços do que aprenderam estarão obsoletos. Sempre teremos problemas novos pela frente. Como iremos enfrentá-los depois de formados? Isso ninguém ensina.


Existem dezenas de cursos revolucionários que ensinam a pensar, mas que poucas escolas estão utilizando. São cursos que analisam problemas, incentivam a observação de dados originais e a discussão de alternativas, mas são poucas as escolas ou os professores no Brasil treinados nesse método do estudo de caso. 
 

Talvez por isso o Brasil não resolva seus inúmeros problemas. Talvez por isso estejamos acumulando problema após problema sem conseguir achar uma solução.

Na próxima vez em que seu professor começar a andar de um lado para o outro, pense no que você está perdendo. Poderia estar aprendendo a pensar.

Publicado na Revista Veja, Editora Abril, edição 1763, ano 35, nº 31, 7 de agosto de 2002, página 20.
Reprodução autorizada pelo autor, a quem Intervalo Cultural Rio muito agradece a gentileza.

Visitem a página do professor Stephen Kanitz.

sábado, 11 de junho de 2016

LOBO MAURO E A "GERENTALHA", DE FRANCISCO FILARDI




O superintendente da empresa era um sujeito chamado Mauro. Sua atividade consistia em avaliar e controlar o desempenho dos gerentes de todas as filiais do estado, cabendo-lhe, inclusive, a aplicação de sanções punitivas aos descumpridores das metas estabelecidas. Em suma, era o homem do chicote!



De quando em quando, o cidadão Mauro reunia os subordinados no auditório de uma concorrente, no centro da cidade, para realinhar as cifras (e distribuir chicotadas). Mas o clima de seriedade da conversa ganhava contornos de cinismo, já que, entre sorrisos irônicos e piadinhas sem graça, o chefão apertava o pescoço da turma com metas que via de regra ignoravam as características da clientela e as peculiaridades da região onde atuavam os respectivos núcleos negociais. Ou seja, a empresa fixava metas consideradas intangíveis, sobretudo pelos gerentes situados em regiões menos favorecidas do estado, o que era sempre alvo de protestos e burburinhos nessas reuniões.



Mas nem nossos frequentes insucessos no trato dos negócios nem as ameaças do superintendente acabavam com o nosso humor. Digo nosso porque eu também fazia parte do distinto rol de gerentes da empresa - a gerentalha, como dizíamos¹.



Pois bem, numa dessas tardes de reunião, aguardávamos a chegada do superintendente em pequenos grupos, dispersos pelo auditório. Entre amenidades e fofocas trabalhistas, um gerente gaiato, que participava do grupo próximo à entrada do salão, achou de ironizar, em boa voz, os excessos administrativos do... “lobo Mauro”. Para azar do pateta, o superintendente, que passava por ali na hora, tomou nota da jocosa homenagem que lhe rendiam os gerentes. Mauro parou e acenou para o grupo maledicente com um discreto sorriso de canto de boca, como quem diz: - “Vocês estão fritos!”.



No entanto, Mauro deixou transparecer a enganosa impressão de não se ter deixado afetar pela graciosa alcunha e iniciou a reunião com a costumeira ladainha. Fez desfilar gráficos, índices, resumos, estatísticas e projeções de metas que indicavam o nosso (segundo ele) medíocre desempenho (o que não era novidade!). E, à certa altura do monólogo (pois só Mauro falava), entre ameaças de encerramento das atividades desta ou daquela filial y outras cositas más, o superintendente revidou com essa: - “Não finjam que estão trabalhando, porque a empresa não finge que paga a vocês!”, um tremendo chute no saco! Um clássico da moderna administração!



É claro que não levávamos a sério os sermões administrativos, porque as ameaças de demissão por improdutividade e de fechamento de agências eram históricas (àquela altura, quase lendas). O destempero do superintendente era por nós entendido, portanto, como decorrente de seu compromisso, afinal ele também tinha metas a cumprir e, da mesma forma que nós, era cobrado por elas. Era um círculo vicioso e havia até uma certa graça nesse rebuliço. Mas o fato é que a graça parou por aí. Não tardou para que a gerentalha (quase toda) fosse demitida. A empresa, adquirida e incorporada por uma concorrente², mais adiante daria aos gerentes gerais de cada filial a ingrata tarefa de distribuir a seus colegas de gerência e demais funcionários os deprimentes “bilhetes azuis”. E nem mesmo o lobo escapou do destino reservado às ovelhas.



Era o triste fim de um tempo em que, apesar das metas sufocantes, do trabalho monocórdico e do convívio habitual com o fracasso, havia um sorriso divertido permeando a rotina dos gerentes e do pessoal do chamado “baixo escalão”.


(de Francisco Filardi, finalizado em 11/06/2016)

__________



¹ trocadilho com o bordão “gentalha, gentalha!” do ator Carlos Villagrán, no seriado mexicano Chaves, ou Chespirito como é conhecido no país de origem.

² a adquirente e incorporadora não fora a mesma empresa que gentilmente nos cedia o auditório.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

O ATESTADO DO FALSO MARECHAL, DE FRANCISCO FILARDI


Rondon estagiava, há pouco mais de um ano, em uma agência bancária no centro da cidade. No posto de assistente da gerência, sua atribuição básica era municiar o comitê com os relatórios do dia e registrar no sistema as contratações e as renovações dos investimentos da clientela: CDB, RDB, poupança, fundos e por aí vai.

O rapazote era até responsável para a idade (tinha vinte e três anos): demonstrava interesse pelo trabalho, cumpria com o seu dever e era assíduo, o que agradava ao corpo gerencial. Era bem humorado e cortês com a clientela, por isso não tardou em conquistar a simpatia dos colegas.

Rondon, como se sabe, é um sobrenome raro. Na agência em que o moço trabalhava, ninguém conhecera um homônimo além do Marechal Cândido Mariano da Silva, notável militar e sertanista brasileiro, criador do Serviço de Proteção ao Índio. Mas logo no início da carreira do estagiário, um gerente gaiato tratou de vinculá-lo ao histórico compatriota, concedendo-lhe a alcunha de marechal. O apelido (mais zombeteiro que carinhoso) pegou, apesar da patente às avessas desse marechal estagiário que recebia ordens.

Pois bem, em certa manhã Rondon não compareceu ao serviço. Só no início da tarde um colega da agência ficara sabendo que o louvado estagiário andava enfermo. Diagnóstico: virose, doença genérica inqualificável (já que ninguém sabe do que se trata). A de Rondon era daquelas brabas, que deixa a vítima em estado febril, com as pernas bambas e sem arredar os pés das cercanias do banheiro. Haja soro caseiro! Repouso! Paracetamol! A coisa foi tão feia que a convalescença do rapaz duraria ainda mais cinco dias.

Retornando ao serviço, Rondon apresentou o atestado médico ao gerente geral, para as providências de praxe. O documento, em impresso próprio, trazia endereço, telefones, e-mail, bem como o carimbo, o CRM e a assinatura da profissional que o atendera. Tudo dentro dos conformes, se não fosse por um detalhe: a médica atestante era ginecologista! Explica-se: uma tia do estagiário, graduada em medicina e especializada na área, prestara atendimento de urgência na residência do rapaz, já que este, enfraquecido pela doença, não tinha condição de sair. Prescrevera-lhe a medicação e fornecera ao sobrinho o atestado com o carimbo de costume!

Ao receber o documento, o gerentão segurou o riso, transformado em frouxa gargalhada assim que o estagiário lhe deu as costas. A informação, a princípio, fora repassada ao corpo de gerentes, mas logo chegaria também ao conhecimento de escriturários, caixas e chefes de serviço, no melhor estilo escravos de Jó. De quando em quando, explodiam entre os funcionários sonoras gargalhadas, face a reprodução da história do atestado. A essa altura, o estagiário não entendia por que seus colegas demonstravam tamanha felicidade, justo numa segunda-feira. É claro que confidenciaram ao rapaz o motivo da tal felicidade. Ele, que não percebera o engano da tia, gargalhou também.

E o estagiário boa praça permaneceu querido pelos colegas. Agora, sob a alcunha de... marechala.

(Francisco Filardi - finalizado a 20.04.2016)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O "CHINA", DE FRANCISCO FILARDI




Meu primeiro contato mais imediato com a morte se deu quando eu tinha dez para onze anos. O ano era 1976. À época, eu cursava a antiga quinta série do curso ginasial (hoje, sexto ano do ensino fundamental), num colégio situado na rua Conde de Bonfim, no bairro da Tijuca. Essa unidade de ensino viraria cinzas pouco mais de três anos depois, demolida pela irrefreável marcha do progresso. Para nós, alunos, uma grande tristeza. Mas houve outras, tão significativas e indeléveis quanto.

Na minha sala, estudava o também pré-adolescente Adilson, apelidado “china” devido aos olhos um tanto puxados. Tanto eu quanto ele fazíamos parte de uma meia dúzia que se reunia na hora do recreio, ou mesmo antes das aulas, para jogar futebol de chapinha no pátio (não na quadra de esportes), nos dias em que o inspetor escolar (de nome Jesus!) não nos liberava a pelota. O futebol de chapinha, para os que não estão familiarizados com a expressão, não precisava de muito: apenas uma tampinha de refrigerante, dois pares de camisas ou de mochilas, para delimitar as áreas correspondentes às traves, e um bando de moleques fedorentos correndo para cá e para lá, atrás da tal chapinha. Quando nos sobrava um dinheirinho, íamos até a papelaria do “seu” Moreira, que ficava em rua próxima do colégio, para comprar bolas de borracha coloridas (dessas que cabem na palma da mão), fabricadas pela Mercur, para a mesma finalidade. Não faço ideia de quantas bolas perdemos para a Conde de Bonfim (que corria paralela ao pátio), mas essa era uma das muitas diversões que amávamos e hoje recordamos com imensa gratidão e saudade.

Lembro-me bem do “china”: gago, de baixa estatura, cabelos claros e encaracolados (como devem ser os de um anjo, suponho), a pele bem alva. Trazia consigo uma maleta com alça, conhecida como “007” (moda, à época), contendo, além do material escolar, um sanduíche caseiro, feito com pão de forma, ou um pacote de biscoitos Mirabel. Era sorridente e muito querido. Estava sempre conosco e participava ativamente tanto das atividades curriculares (sobretudo, das aulas de educação física) quanto das deliciosas bagunças que aprontávamos quando não havia aula.

Se a memória não me trai, aconteceu no mês de agosto. O avô do “china” era colecionador de armas de fogo. Se havia sido militar, não sabíamos, pois Adilson nunca nos contou. Mas é fato que seu avô as tinha em casa. Um absurdo. A notícia chegou à escola, sendo levada ao conhecimento da professora Marisa, de Estudos Sociais, que a essa altura lecionava para a nossa turma: na véspera, Adilsinho estava a ajudar o avô a limpar um revólver da coleção, quando um de seus dedos prendeu-se no gatilho. Na tentativa de desvencilhar-se, a arma, que estava estupidamente carregada, disparou, atravessando o coração do meu amigo. A morte lhe veio imediata. Quando a história vazou para a turma, fui tomado por um misto de perplexidade, indignação e incredulidade. Como ele não poderia estar mais entre nós, se na véspera ele havia assistido às aulas conosco? Como?! Foi essa a primeira vez que percebi o quanto a morte era absurda (e injusta). Mas não consegui chorar. Não ali.

Ao chegar em casa, fui direto para o chuveiro; lá, sim, desabei num choro incontido. Queria que a água corrente livrasse meu coração daquelas lágrimas cheias de tristeza e saudade, que as levasse para longe. Meus pais nunca souberam disso. E foi por mera vergonha. Não queria que me vissem chorando.

O que isso custou a um meninote de apenas dez anos só um psicólogo me poderá dizer. O fato é que lá se vão quarenta anos. Talvez o pequeno “china” tenha-se tornado mesmo um anjo. Assim espero.

(verídico - Francisco Filardi)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

ATENDIMENTO NAS ZONAS ELEITORAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO AGORA DEVE SER AGENDADO

Eleitor que ainda não tirou o título ou precisa regularizar sua situação deve agendar o quanto antes, 
para não deixar de votar em 2016


Para ser atendido em qualquer uma das 249 zonas eleitorais do Estado, agora o eleitor deve agendar o comparecimento pela internet, no site do TRE-RJ, ou pela Central de Atendimento Telefônico (CAT), no telefone (21) 3436-9000.

Além de proporcionar maior conforto no atendimento, a nova medida, adotada também em diversos outros órgãos públicos, tem como objetivo fazer com que o eleitor que está em situação irregular antecipe a ida aos cartórios eleitorais e garanta seu direito de votar em 2016. "Essa tradição brasileira de deixar tudo para a última hora precisa ser modificada. É um hábito que provoca filas e transtornos a todos no período do fechamento do cadastro. Queremos mudar essa cultura", explicou o presidente do TRE-RJ, desembargador Antônio Jayme Boente.
Nas eleições municipais deste ano, o cadastro nacional de eleitores será fechado em 4 de maio, prazo que não pode ser adiado. "O ideal é que o eleitor agende logo, sem deixar para as últimas semanas, quando a procura será grande e as vagas, limitadas", aconselhou o presidente do TRE-RJ. Após o fechamento do cadastro, não podem ser realizadas inscrições de novos eleitores, transferências de domicílio eleitoral ou regularização da situação com a Justiça Eleitoral de quem deixou de votar ou justificar a ausência em três turnos consecutivos. Nesse caso, o título está cancelado e o eleitor não poderá votar em outubro. Quem não fizer o título até 4 de maio também ficará sem votar. Vale lembrar que quem completar 16 anos até o dia do primeiro turno (2 de outubro) já pode se alistar.


Quem precisa agendar

Deve fazer o agendamento quem ainda não tirou o título e deseja votar nas Eleições 2016, bem como os eleitores que estejam com o título cancelado ou queiram pedir transferência de local de votação. Também precisam marcar data e hora para comparecimento os eleitores portadores de deficiência física ou com mobilidade reduzida que desejam solicitar transferência para uma seção de fácil acesso, bem como aqueles que tiveram mudança no nome e precisam atualizar seus dados pessoais.


Como agendar

Para fazer o agendamento, o interessado deve acessar o link TRE-RJ
e escolher a data e o horário desejados entre as opções disponíveis. Também é possível marcar o atendimento pelo telefone (21) 3436-9000, que funciona de segunda a sexta-feira, das 11h às 19h.


Documentos necessários

Quem for tirar a primeira via do título eleitoral deve levar documento de identidade original e dentro da validade e comprovante de residência atual. No caso de alteração do nome, é necessária, ainda, a apresentação de documento que comprove a mudança dos dados, como certidão de casamento ou sentença judicial. Os eleitores do sexo masculino maiores de 18 anos que forem tirar a primeira via do título devem levar também o comprovante de quitação militar.

Você pode agendar atendimento para: emissão do título de eleitor pela primeira vez, transferência, segunda via e revisão dos dados cadastrais.

O agendamento permite ao eleitor a escolha do dia e horário de sua preferência, tornando tudo mais prático e rápido.

Para solicitação de justificativa, pagamento de multa ou obtenção de certidões não é necessário agendamento, basta ir diretamente ao cartório.

A emissão das seguintes certidões pode ser realizada, pela internet, neste site: certidão de quitação eleitoral, certidão de crimes eleitorais, certidão de composição partidária, certidão de filiação partidária e certidão negativa de alistamento eleitoral.

Confira os documentos necessários para o atendimento:

Documento oficial de identificação, dentro do prazo de validade, do qual se infira a nacionalidade brasileira (RG, Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, identidade emitida pelos órgãos criados por lei federal (OAB, CRM, CREA etc.), certidão de nascimento, certidão de casamento etc.); 

Não será aceito o modelo do passaporte que não contiver os dados referentes à filiação;

A Carteira Nacional de Habilitação (CNH) não será aceita para o primeiro título, por não conter a nacionalidade;

Comprovante de quitação com o serviço militar (homens com idade entre 18 e 45 anos) para o primeiro título;

Comprovante de residência recente (contas de luz, água ou telefone, nota fiscal ou envelopes de correspondência etc.).

O Juiz Eleitoral, se necessário, poderá especificar mais detalhadamente os documentos que serão aceitos como comprovantes de residência.
Fonte: TRE-RJ

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

"AFASTE DE MIM ESSE CÁLICE...", O QUE NÃO SE DEVE FAZER NO PRIMEIRO ENCONTRO...


AFASTE DE MIM ESSE CÁLICE...

(de Francisco Filardi)


Conheceram-se num chat, em uma rede social. Descobriram-se ao acaso, numa dessas madrugadas despretensiosas em que o desinteresse já quase os vencia pelo cansaço. Afinal, não é fácil encontrar alguém na internet com quem valha a pena conversar. Mas Val se encantara desde as primeiras linhas. Rodrigo era, de fato, um homem raro: educado, gentil, incapaz de uma indelicadeza. E redigia num português impecável, o que Val achava o máximo. Ela, graduada em Letras, valorizava o bom texto, a boa pena. Era espontânea, direta, sincera e detentora de um carisma ímpar, o que fisgou Rodrigo logo de cara.



Dois meses se passaram, desde a primeira noite. “Bisbilhotavam-se”, num prazer genuíno, para conhecer melhor o outro e identificar preferências comuns. Até que agendaram um encontro. Val não se conteve. Desde então, ansiosa que era, ia do quarto para a sala, da sala para a varanda, da varanda para a cozinha. E refazia o percurso, inúmeras vezes! Falava sozinha. Contava as horas no relógio, os dias no calendário. Imaginava o que ambos diriam nesse primeiro contato presencial. Era como se um filme de amor inocente passasse por sua cabeça. Ensaiara até as falas! Na casa dos trinta, Val sentia-se boba, ria-se do seu ar adolescente. Mas estava feliz, sentia-se mulher. Por isso, não economizou: comprou roupa, um par de sapatos da moda e um perfume de grife. Rodrigo, por sua vez, andava com o coração aos pulos e também não desejava fazer feio. Longe dele cometer algum vacilo. Queria mesmo impressionar a amada com sua boa postura, educação e aparência. E tratou de retirar do armário a calça jeans nova que reservara para ocasião especial. Também tinha guardados um par de meias e sapatos intocados. Comprou tão somente uma camisa discreta, de bom tecido, e tudo estava pronto.



Combinaram numa sexta, à noite, em frente a um conhecido bar, na zona norte. Val chegara primeiro. Nervosa (naquele nervosismo quase angústia), olhava de lado a outro da rua, à procura de seu amado. Como ambos já se tinham visto pelas fotos da tal rede social, o reconhecimento não lhes seria difícil. Logo que Rodrigo dobrou a esquina próxima, avistaram-se. Sorriram-se e trocaram acenos ao longe. Mas, à medida em que se ia aproximando do local do encontro, ele percebeu que algo não estava bem. Faltavam ainda alguns bons metros para estar diante de sua amada e ele sentira, embora não lhe houvesse certeza. Afinal, o bar estava lotado; mesas e cadeiras adentravam a calçada, havia muitas pessoas por ali, num burburinho daqueles. Mas o coração já dele galopava em pânico e os passos, até então eufóricos, foram diminuindo o ritmo, como se a retardar sua chegada. Só mesmo quando Val beijou-lhe a face que ele teve certeza. Um arrepio crispado percorreu-lhe a coluna e o rosto enrubescido não disfarçava o desconforto. Val, diante da expressão fantasmagórica do amado, perguntou-lhe: - "Querido, o que houve?", mas era tarde. Rodrigo deu-lhe as costas, sem responder à pergunta; afastou-se, apavorado e rápido, deixando-a no vácuo. Todos, que estavam na calçada, diante do bar, presenciaram a cena patética, enquanto Val, estática e embasbacada, ficou sem entender.



Val e Rodrigo. Tinham tudo para dar certo. Conheciam-se tanto, sabiam inúmeras coisas um sobre o outro, mas esqueceram-se de privilegiar os detalhes: o perfume de grife que Val escolhera para o encontro era desses que percorrem quilômetros em segundos; foi por isso que Rodrigo, alérgico até ao último fio de cabelo, foi parar no hospital, com a face inchada, feito um baiacu.

finalizado em 21.01.2016

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

CRASH! - SOBRE PAIS E FILHOS


CRASH!¹

- aos meus filhos, aos que são filhos 
e aos filhos que se tornaram pais -

(Francisco Filardi)




Criar filhos é tarefa hercúlea. Impõe a nós, pais, o exercício habitual da paciência e da renúncia. Tem sido assim, desde que Deus criou o mundo. E assim será, até ao fim dos tempos. Mas, nestes primeiros anos do século XXI, apesar dos avanços da humanidade nos campos da medicina, da ciência, da tecnologia, da robótica e das comunicações, não nos é difícil perceber que o entendimento acerca do trato de nossos filhos carece de melhores ajustes.

Todos erramos na criação de nossos filhos. Em maior ou menor grau. Se há quem discorde, que pergunte a eles. Ou melhor, não pergunte. Nenhum filho será 100% honesto sobre isso. O constrangimento, a timidez ou o receio de entristecer os pais não os deixa à vontade para falar sobre o que lhes causa dor ou infelicidade. E o desconforto não é só deles: nós, pais, não estamos preparados para ouvir a verdade (ou parte dela). A ruptura, o isolamento e a ausência de diálogo que decorrem daí são graves ruídos nas relações familiais (desde sempre). Quando pais e filhos não expõem suas mágoas, quando não depositam sobre a mesa seus temores ou o que os faz sofrer, abre-se uma lacuna que vem a empobrecer a relação, via de regra pautada por exigências excessivas ou pela intolerância dos pais.

Não é fácil lidarmos com as pressões provenientes do próprio lar. Não raro, pais descarregam sobre os filhos o peso do seu despreparo, de suas expectativas, de seus receios, de suas frustrações, de suas crenças, de seus planos, de suas paixões, de suas carências, sob o argumento de ser esse "o melhor" a ser feito por suas crias. Entendem tal comportamento como “normal”, quando, na verdade, essa percepção míope faz o terreno fértil do amor ceder espaço para a prática do “bullying”² no ambiente familial (efeito de pais controladores, invasivos, ciumentos, possessivos, intimidadores, castradores e até cruéis). A situação se agrava quando os pais são contrariados. E contrariedade, quase certo, leva à arbitrariedade, o que é perigoso em qualquer cenário. Isso nos leva ao seguinte: é senso comum os pais entenderem que seus filhos necessitam de limites, mas... qual será o limite dos pais? Até aonde devemos ir, para não trespassarmos a fronteira do respeito pela individualidade e privacidade de nossos filhos?

Observem que o emprego do verbo descarregar parece excessivo, mas deriva de um lento e desgastante processo cujos danos são imprevisíveis, devastadores e irreversíveis até (tanto para os envolvidos quanto para a relação em si). Há quem atribua isso ao chamado “choque de gerações”. Contudo, tal expressão não existe. O que há é uma não predisposição para ouvir, um hiato abismal entre o que é imposto e o que pode ser negociado. Nós, pais, por ignorância (ou tremenda falta de sensibilidade), somos exaustivos, atropelamos a ética e massacramos nossos filhos, deixando seu estado psicológico em frangalhos. Isso não pode ser negligenciado, porque não somos senhores absolutos de uma verdade absoluta. Os danos, ainda que não aparentes, estarão lá e seus efeitos se farão visíveis adiante.

Fazer o melhor” (em tese, o que os pais desejam fazer pelos filhos) não é o aspecto crítico do processo: é seu modus operandi, as decisões unilaterais que vão de encontro aos anseios, às expectativas, aos desejos dos filhos. Porque o futuro que planejamos para eles é diferente daquele que planejam para si. Se desconhecemos o que lhes vai na alma (por desinteresse, arrogância ou soberba), de algum modo sabemos que há um caminho que desejam e precisam tatear por si mesmos. Portanto, não temos o direito de condená-los à infelicidade face ao nosso egoísmo, vaidade, estupidez ou intransigência. Se há quem pense ser isso bobagem, que procure saber de um especialista o que significam os termos ansiedade e depressão. Muito provável, nossos filhos os conhecem bem.

A pergunta crucial é: como podemos lançar-nos o desafio de criar filhos psicologicamente saudáveis, quando há em nós, adultos, uma penca de rachaduras na alma?

Quando adolescentes, tendemos a pensar que nossos pais estão ultrapassados, desconectados do mundo moderno. No entanto, ao atingirmos a idade adulta, repetimos atos, discursos e decisões de nossos pais. Foi Sheakspeare quem disse que há mais de nossos pais em nós do que supomos. Talvez. Mas, não é pelo fato de terem sido autoritários, rudes, severos, inflexíveis ou distanciados, que devemos persistir no modelo. Renato Russo, na canção “Pais e filhos”, sentencia: “você me diz que seus pais não entendem/mas você não entende seus pais/você culpa seus pais por tudo/isso é absurdo/são crianças como você [...]”. Sendo isso verdadeiro, o que fizemos com a criança que nasceu em nós? Por que as crianças tornam-se adultos frágeis, atormentados por monstros que insistem em persegui-los, dia e noite? Em que altura do caminho rompemos a conexão com o que nos parecia mágico e belo? Bauman³, de forma brilhante, acrescenta: “Talvez fosse melhor mudar os costumes do mundo e tornar nosso hábitat hospitaleiro à dignidade humana, de modo que amadurecer não exigisse o comprometimento da humanidade de uma criança” (p. 103, 104). Aprender, entre outras definições, consiste em identificar o que nos é válido e eliminar o que não nos serve. Pelo que se vê, a imposição da autoridade pelo uso da força tem se mostrado uma péssima escolha. Afinal, o objetivo é trazermos nossos filhos para nós, não o contrário.

Que esteja claro: relações de amor diferem (e muito) de relações de poder. O amor, assim como o respeito, é uma conquista que pressupõe liberdade (a de si, a do outro). Mas não dizemos com isto que nossos filhos devam fazer o que lhes “der na telha”. Só a disciplina, a responsabilidade, o comprometimento, o estudo, o trabalho, os levará longe. Nossa função é dar-lhes um norte para seguirem. Essa compreensão amadurece conosco.

A maior lição que nossos filhos (e netos) nos ensinam é a sermos generosos. Eis o sentido do amor incondicional: sem amarras, sem excessos. Então, cabe a nós desativar as armadilhas de nossas convicções e lançarmos sobre eles um outro olhar: terno, humano (o que não é fácil). Se nossos filhos souberem, desde sempre, que podem confiar em nós, seus pais, estaremos contribuindo para o fortalecimento de seus espíritos e o pleno exercício de suas potencialidades. Basta pavimentarmos a estrada, com maturidade e sabedoria, para que eles enfrentem a vida com destemor, serenidade, firmeza, vibração. E conquistem o mundo (que tanto merecem).

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¹ “Crash” é uma forma onomatopaica que indica impacto, ruptura, estilhaçamento, efeito de trauma (físico ou psicológico), colisão.

² “Bullying” é um anglicismo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos, causando dor e angústia e sendo executados dentro de uma relação desigual de poder (definição da Wikipédia).


Sugestões de leitura:


GIBRAN, Gibran Khalil. Tradução: Mansour Challita. Os filhos. In: O profeta. 1. ed. Rio Grande do Sul: L&PM Pocket, 2001. 128 p.

³ BAUMAN, Zygmunt. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 190 p.

MELO, Fábio de. Quem me roubou de mim?. 2. ed. 8a. reimpressão. São Paulo: Planeta, 2013. 216 p.