A
maioria das aulas que tive foi expositiva. Um professor, normalmente
mal pago e por isso mal-humorado, falava horas a fio, andando para lá
e para cá. Parecia mais preocupado em lembrar a ordem exata de suas
idéias do que em observar se estávamos entendendo o assunto ou não.
Ensinavam
as capitais do mundo, o nome dos ossos, dos elementos químicos, como
calcular o ângulo de um triângulo e muitas outras informações que
nunca usei na vida. Nossa obrigação era anotar o que o professor
dizia e na prova final tínhamos de repetir o que havia sido dito.
A
prova final de uma escola brasileira perguntava recentemente se o
país ao norte do Uzbequistão era o Cazaquistão ou o Tadjiquistão.
Perguntava também o número de prótons do ferro. E ai de quem não
soubesse todos os afluentes do Amazonas. Aprendi poucas coisas que
uso até hoje. Teriam sido mais úteis aulas de culinária, nutrição
e primeiros socorros do que latim, trigonometria e teoria dos
conjuntos.
Curiosamente
não ensinamos nossos jovens a pensar. Gastamos horas e horas
ensinando como os outros pensam ou como os outros solucionaram os
problemas de sua época, mas não ensinamos nossos filhos a resolver
os próprios problemas.
Ensinamos
como Keynes, Kaldor e Kalecki, economistas já falecidos, acharam
soluções para um mundo sem computador nem internet. De tanto
ensinar como os outros pensavam, quando aparece um problema novo no
Brasil buscamos respostas antigas criadas no exterior. Nossos
economistas implantaram no Brasil uma teoria americana de “inflation
targeting”, como se os americanos fossem os grandes especialistas
em inflação, e não nós, com os quarenta anos de experiência que
temos. Deu no que está aí. De
tanto estudar o que intelectuais estrangeiros pensam, não aprendemos
a pensar. Pior, não acreditamos nos poucos brasileiros que pensam e
pesquisam a realidade brasileira nem os ouvimos. Especialmente se
eles ainda estiverem vivos. É sandice acreditar que intelectuais já
mortos, que pensaram e resolveram os problemas de sua época,
solucionarão problemas de hoje, que nem sequer imaginaram. Raramente
ensinamos os nossos filhos a resolver problemas, a não ser algumas
questões de matemática, que normalmente devem ser respondidas
exatamente da forma e na seqüência que o professor quer.
Matemática,
estatística, exposição de idéias e português obviamente são
conhecimentos necessários, mas eu classificaria essas matérias como
ferramentas para a solução de problemas, ferramentas que ajudam a
pensar. Ou seja, elas são um meio, e não o objetivo do ensino.
Considerar que o aluno está formado, simplesmente por ele ter sido
capaz de repetir os feitos intelectuais das velhas gerações, é
fugir da realidade.
Num
mundo em que se fala de “mudanças constantes”, em que “nada
será o mesmo”, em que o volume de informações “dobra a cada
dezoito meses”, fica óbvio que ensinar fatos e teorias do passado
se torna inútil e até contraproducente. No dia em que os alunos se
formarem, mais de dois terços do que aprenderam estarão obsoletos.
Sempre teremos problemas novos pela frente. Como iremos enfrentá-los
depois de formados? Isso ninguém ensina.
Existem
dezenas de cursos revolucionários que ensinam a pensar, mas que
poucas escolas estão utilizando. São cursos que analisam problemas,
incentivam a observação de dados originais e a discussão de
alternativas, mas são poucas as escolas ou os professores no Brasil
treinados nesse método do estudo de caso.
Talvez
por isso o Brasil não resolva seus inúmeros problemas. Talvez por
isso estejamos acumulando problema após problema sem conseguir achar
uma solução.
Na
próxima vez em que seu professor começar a andar de um lado para o
outro, pense no que você está perdendo. Poderia estar aprendendo a
pensar.
Publicado na Revista Veja, Editora Abril, edição
1763, ano 35, nº 31, 7 de agosto de 2002, página
20.
Reprodução autorizada pelo autor, a quem Intervalo Cultural Rio muito agradece a gentileza.
Visitem a página do professor Stephen Kanitz.
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