sábado, 8 de outubro de 2016

A AMIGA JANU E A ÓPERA DAS MEIAS BRANCAS, DE FRANCISCO FILARDI




Madame Filardi, que andava sumida há tempos, veio-me contar a fofoca: Januária, sua amiga de longa data, meteu-se numa encrenca daquelas por causa das meias do marido, Agripino. Ele, que há trinta anos só as usava na cor branca, pôs para lavar alguns pares que de brancos nem a lembrança tinham. Janu, partidária da água e sabão desde sempre, foi perguntar à vizinha Matilda o que fazer para dar um jeito nas peças do vestuário do marido.



- Compre um alvejante, Janu, que resolve! - disse a octogenária.



Janu, que não era nada moderninha, optou por acolher a sugestão da amiga e, já no início da tarde, partiu para o mercado. Mas a dica da esperta Matilda acabou deixando Janu tristinha. E não foi sem motivo. Até que comprar o tal do alvejante foi fácil. Problema mesmo foi quando ela, já em casa, leu as instruções no rótulo do produto. Lá constava que o mesmo deveria ser aplicado diretamente sobre a mancha, por dez minutos, antes de proceder a lavagem. Como as meias do marido estavam para lá de encardidas, Janu mergulhou de tacada oito pares numa bacia com tanto alvejante que dava para clarear todas as roupas do armário do Agripino! E, como desgraça pouca é bobagem, justo nesse momento Janu recebeu o telefonema da Zazá, impertinente tricoteira dos mexericos da terceira idade - logo ela, que escolhia as horas mais ingratas para papear, sem chance de o interlocutor desvencilhar-se de forma educada. Resumo da ópera: papo foi, papo veio, cinquenta minutos de conversa fiada se passaram até que Janu se desse conta de que as meias do marido ainda estavam de molho no alvejante.



Quando a sexagenária chegou à área de serviço e puxou a primeira meia da bacia, levou a mão à testa, ao ver que a sola se desintegrara! Incrédula e com olhos arregalados, Janu exclamaria “Meu Jesus!” dezesseis vezes naquela tarde.



Moral da história: Madame Filardi está gargalhando até agora!!!

(Francisco Filardi)

domingo, 4 de setembro de 2016

LADYBUG E CAT NOIR: FEITOS UM PARA O OUTRO




O seriado de animação “Miraculous – as aventuras de Ladybug” é uma produção franco-nipo-coreana que traz como protagonistas os adolescentes Marinette e Adrien. Ambos são escolhidos por um mestre chinês para receber os Miraculous – joias mágicas com poderes extraordinários (um par de brincos e um anel, respectivamente) que os transformam em Ladybug e Cat Noir, heróis que livram a cidade de Paris das investidas do vilão Hawk Moth.



A série, de bonita textura, alterna ação eletrizante e situações hilárias proporcionadas pela desajeitada e secreta paixão de Marinette por Adrien, seu colega de classe. A paixão, aliás, ocorre também a seus alteregos: as insinuações de Cat Noir para Ladybug, em meio à ação, rendem também divertidas tiradas.



Além desse misto de ação, comédia e romance, “As aventuras de Ladybug” desperta a atenção dos fãs face o mistério em torno da identidade de Hawk Moth. Assim como o mestre Fu, ele é detentor de um Miraculous – o qual usa indevidamente para o mal; Moth tem o dom de perceber sentimentos negativos e transforma pessoas ressentidas ou enraivecidas em aberrações, com a finalidade de tomar os Miraculous de Ladybug e de Cat Noir. No episódio “Coração de pedra – parte 2”, Moth revela que almeja o poder absoluto e que seu desejo secreto irá realizar-se quando por as mãos nos demais Miraculous. Qual será o “desejo secreto” de Hawk Moth?



Há uma teoria circulando entre os fãs do seriado sobre Hawk Moth ser o pai de Adrien, o design de moda Gabriel Agreste (ou um possível irmão gêmeo deste). A semelhança física entre Moth e Gabriel, de fato, é grande. A teoria ganha adeptos devido ao temperamento arredio de Gabriel e seu distanciamento emocional em relação ao próprio filho, mas esta pode ser uma pista enganosa. Afinal, sua esposa está desaparecida e seu rigor e azedume podem ser decorrentes desse fato (até o fim da primeira temporada não está claro que a mãe de Adrien esteja morta). Segundo os fãs, Gabriel deseja o poder absoluto dos Miraculous para trazer a esposa de volta, podendo bem ser este o “desejo secreto” de Hawk Moth.



No último episódio da temporada, intitulado “Volpina”, Adrien descobre que seu pai esconde um livro num cofre localizado na parte posterior de uma enorme tela, pintada em honra de sua mãe (a tela é inspirada na obra “O retrato de Adele Bloch Bauer I”, de Gustav Klimt). O livro trata de heróis seculares e do poder dos Miraculous. A questão é: por que Gabriel Agreste - que já demonstrou curiosidade pelos Miraculous de Ladybug e de Cat Noir - estaria interessado no livro? No episódio “Simon says”, Gabriel diz a Cat Noir que seu temperamento o faz lembrar o da esposa desaparecida – e o faz enquanto olha para o quadro da esposa. Teria ele sacado que Cat Noir é seu filho, Adrien? Mais um mistério para as próximas temporadas.


No total, há sete Miraculous, sendo os do Tei-Ji (Yin/Yang) aqueles presenteados a Marinette e Adrien, representando os poderes da criação (Ladybug) e da destruição (Cat Noir), os quais se devem manter em equilíbrio.



O problema de “Miraculous – as aventuras de Ladybug” é que a série segue uma fórmula repetitiva, que vai das cenas de transformação dos protagonistas às de desfecho dos episódios. Se a série não repensar esse aspecto para as próximas temporadas, o formato tende a esgotar-se. Ainda assim, considerando o mar de mediocridade que tomou conta das animações televisivas, os 23 minutos por episódio de “Miraculous” garantem boa diversão para a garotada.



Além do que vale destacar o belo trabalho da dublagem brasileira, realizada pelo Beck Studios de Maíra Góes (quem não está associando o nome à pessoa, Maíra é a dubladora da peixinha Dory, dos longas “Procurando Nemo” e “Procurando Dory”, da Pixar Animation Studios).



Miraculous – as aventuras de Ladybug” é exibido diariamente pelo canal Gloob em horários diversos.



Intervalo Rio recomenda!

quinta-feira, 21 de julho de 2016

AS GENIAIS SACADAS DO FILME "THE MUPPETS" (2011)



Assim como em "Os Muppets conquistam Nova Iorque" (1984), "The Muppets" (2011) é alinhavado por uma proposta crítica e, a um tempo, saudosista, para fazer o público pensar e emocionar-se.

O boneco Walter, admirador fervoroso da turma criada por Jim Henson, viaja para Los Angeles e vai até ao estúdio onde os Muppets gravavam seu programa, agora abandonado e sujo. Lá, Walter descobre, acidentalmente, que um empresário picareta deseja adquirir o local e instalar ali o Museu Muppet, uma fachada para explorar o petróleo que há sob o terreno. É aí que a história começa. Walter procura Kermitt (Caco, o sapo, no Brasil) e ambos se propõem a reunir a velha turma, há muito separada, para fazer um programa nos moldes do teleton e angariar a quantia 10 mil dólares, até a meia-noite de determinado dia, para reaver o antigo estúdio. Para isso, fazem algumas loucuras, como o sequestro de um astro do cinema. O filme é divertido, inteligente e vale pontuar algumas situações:

1 - O "The Muppet Show" foi um programa televisivo de grande sucesso na TV estadunidense (e também no Brasil). Teve cinco temporadas (entre 1976 e 1981), dele tendo participado inúmeras celebridades como os cantores Harry Belafonte e Rita Moreno, e também o saudoso baterista Buddy Rich. Por que o programa saiu do ar? Simples: queda na audiência. É claro que há um desgaste observável nas séries longevas, mas nos Estados Unidos muitas séries produzidas nos últimos dez anos, não passam da primeira ou da segunda temporada. Isso é terrível, tanto para os atores (vítimas do desemprego), quanto para o público (órfãos de personagens com as quais se identificam). Aqui, no Brasil, copiamos esse modelo (valorização excessiva – e por que não, exclusiva? - dos índices de audiência, em detrimento da qualidade dos programas), o que é uma celebração ao dinheiro e um grave desrespeito para com os espectadores;

2 - Ao reencontrar os velhos amigos, Kermitt se vê chocado com a realidade: mesmo longe da fama, alguns encontraram o caminho, são bem sucedidos no mundo dos negócios, mas outros não tiveram a mesma sorte: sobrevivem com dificuldade, em estado de pobreza. Esse quadro reflete a realidade de muitos artistas, desligados das emissoras de TV por não se destacarem. Há, no entanto, alguns amigos de Kermitt que, no íntimo, sempre alimentaram a vontade de reacender a chama da paixão pelo entretenimento - e reviver a glória do "The Muppet Show". Já outros relutam, embora aceitem rever a decisão por motivos que não revelo;

3 - Quando Kermitt e sua turma vão conversar com uma empresária do ramo televisivo, esta lhes mostra um painel com o que "está na moda", o que "faz sucesso" hoje. Os Muppets estão fora de questão, segundo ela, porque foram "esquecidos". Ela, então, dá uma amostra da preferência do público: um “reallity show” intitulado "Hora de bater no professor", em que alunos vestidos com luvas de boxe esmurram um professor. Uma tremenda crítica à boçalidade que tomou conta da TV do século XXI, que exibe programas despropositados, sem compromisso com a função educativa; "cópias carbonadas" que se proliferam como vírus, maquiados pela suposta intenção de divertir o público, mas que, em verdade, resultam de um velado processo de imbecilização do espectador;

4 - O programa é transmitido ao vivo, mesmo com o teatro vazio. À medida que seguem as atrações, os telefones tocam. Artistas como Whoopi Goldberg e Selena Gomez chegam para ajudar (o mestre de cerimônias é o astro sequestrado de que falamos). E, incrivelmente, pessoas saem de suas casas e dirigem-se ao teatro;

4 - Enquanto os Muppets realizam seu teleton, a câmera alterna cortes entre o que ocorre no palco do teatro e nas casas dos espectadores. Não são apenas crianças que estão diante da TV: são famílias. Essa foi outra grande sacada do filme: o "The Muppet Show" não era um programa para crianças, mas para toda a família. Quantos programas da TV, hoje, são feitos para a família se divertir, rir e encantar-se em comunhão?

5 - O empresário pilantra sabota a apresentação, cortando a luz do teatro. Por um “pentelésimo” centavo de dólar, Kermitt e sua turma não conseguem o dinheiro para reaver o antigo estúdio. Mas antes de deixarem o teatro, o velho sapo se posiciona na escadaria, um pouco acima de seus companheiros, e discursa para os demais Muppets. Eles não fracassaram; fizeram o seu melhor, tentaram. Kermitt acredita neles, porque são uma família. E afirma que todos deixarão o teatro de cabeça erguida. Quando Kermitt destrava a porta do teatro e alcança a rua, fica estarrecido com o que vê: uma multidão os espera! E aí a sacada final do filme: o público não esquece seus artistas amados! Jamais!
 
Francisco Filardi

UMA LEITURA SUPERFICIAL SOBRE A VIDA DE MARIA ANTONIETA E A REVOLUÇÃO FRANCESA



Esse filme, dirigido por Sofia Coppola (2005), é uma leitura superficial da vida de Maria Antonieta (1755-1793), arquiduquesa da Áustria e esposa de Luís XVI, rei da França.

Algumas situações me desagradam nessa leitura. Primeiro, a opção pelo idioma inglês, o que, de certa forma, compromete a credibilidade da narrativa; segundo, o fato de Sofia ter-se apropriado de um recurso o qual foi empregado pelo australiano Baz Luhrmann, em "Romeu e Julieta", seu segundo filme (1996), e no extraordinário "Moulin Rouge", seu filme seguinte, de 2001: a opção por músicas pop em trabalhos de época, o que Sofia não realiza com o mesmo brilho. A tríade Robespierre-Danton-Marat sequer é citada, assim como a oposição jacobinos x girondinos x sans-culottes, cerne da Revolução. Ou seja, o filme negligencia a profundidade histórica, social e política desse que foi um dos episódios mais violentos e controversos da história da humanidade.

Ainda assim, o filme rende cenas interessantes. Na noite de núpcias - e em outras tantas consecutivas, nada de bom acontece no leito de Luís XVI e Maria Antonieta. Não sendo consumada a boda, a falta de perspectiva para a chegada de um herdeiro real traz enorme preocupação aos nobres do palácio (por motivações políticas e pessoais, claro). A "culpa" recai sobre a suposta frigidez da rainha. Mas a questão não é simples. Um diálogo entre uma dama e Luís XV (avô de Luís XVI, que viria a falecer de varíola) sugere ao espectador uma possível explicação para a falta de entusiasmo do jovem monarca:

- Boa tarde, majestade! Como vai o seu neto, o delfim?

Ao que o rei responde:

- Ele está caçando veados.

Luís XVI estava, de fato, numa caçada (uma das coisas de que mais gostava), mas é provável que a resposta do avô sugerisse dúvida quanto a masculinidade do futuro rei.

Há duas cenas belíssimas, ambas ao final do filme: a primeira se dá quando explode a Revolução e o povo se prepara para invadir o palácio e retirar de lá à força o casal real. Ambos, Luís XVI e Maria Antonieta, estão à mesa, ceando. Ouvem o clamor popular. Temem o desfecho. Entreolham-se. Luís abaixa a cabeça, enquanto Maria Antonieta estende o braço na direção do marido. Ambos se dão as mãos. São solidários no sofrimento. E a outra: ao fugirem do palácio, já na carruagem que os levaria a uma fortaleza, localizada fora de Paris, Luís XVI pergunta à esposa, que está a contemplar a paisagem:

- Admirando sua alameda de limoeiros?

- Eu estou me despedindo. - responde a rainha, com os olhos marejados, assim como Luís. E o filme para por aí.

Luís XVI e Maria Antonieta chegaram precocemente ao poder (ele aos 20, ela aos 18 de idade, embora houvessem casado 4 anos antes). "Poder" era algo que não desejavam; na verdade, foram surpreendidos pela morte de Luís XV. "Deus, guie-nos e proteja-nos. Somos jovens demais para reinar", disse Luís XVI ao ser entronizado. Maria Antonieta, por sua vez, foi odiada pela nobreza e pelo povo, por ser estrangeira, "a austríaca", a traidora da França, como as damas francesas se referiam a ela, desdenhosamente. Foi acusada de dilapidação do patrimônio público, foi acusada de influenciar o marido em prol do reino da Áustria, foi acusada de ter um caso com Fersen, um conde sueco. Foi vítima de inúmeros boatos. Assim como Luís XVI, foi vítima de inúmeras maquinações dos membros da corte. Viu o círculo fechar em torno de si. Foi Robespierre quem pediu sua cabeça. E ele a teve... Apesar de tudo, a consciência de Maria Antonieta permaneceu fiel ao marido, até sua morte. Na guilhotina.

Francisco Filardi

segunda-feira, 18 de julho de 2016

APRENDENDO A PENSAR, DE STEPHEN KANITZ





A maioria das aulas que tive foi expositiva. Um professor, normalmente mal pago e por isso mal-humorado, falava horas a fio, andando para lá e para cá. Parecia mais preocupado em lembrar a ordem exata de suas idéias do que em observar se estávamos entendendo o assunto ou não. 
 

Ensinavam as capitais do mundo, o nome dos ossos, dos elementos químicos, como calcular o ângulo de um triângulo e muitas outras informações que nunca usei na vida. Nossa obrigação era anotar o que o professor dizia e na prova final tínhamos de repetir o que havia sido dito. 
 

A prova final de uma escola brasileira perguntava recentemente se o país ao norte do Uzbequistão era o Cazaquistão ou o Tadjiquistão. Perguntava também o número de prótons do ferro. E ai de quem não soubesse todos os afluentes do Amazonas. Aprendi poucas coisas que uso até hoje. Teriam sido mais úteis aulas de culinária, nutrição e primeiros socorros do que latim, trigonometria e teoria dos conjuntos. 
 

Curiosamente não ensinamos nossos jovens a pensar. Gastamos horas e horas ensinando como os outros pensam ou como os outros solucionaram os problemas de sua época, mas não ensinamos nossos filhos a resolver os próprios problemas. 
 

Ensinamos como Keynes, Kaldor e Kalecki, economistas já falecidos, acharam soluções para um mundo sem computador nem internet. De tanto ensinar como os outros pensavam, quando aparece um problema novo no Brasil buscamos respostas antigas criadas no exterior. Nossos economistas implantaram no Brasil uma teoria americana de “inflation targeting”, como se os americanos fossem os grandes especialistas em inflação, e não nós, com os quarenta anos de experiência que temos. Deu no que está aí. De tanto estudar o que intelectuais estrangeiros pensam, não aprendemos a pensar. Pior, não acreditamos nos poucos brasileiros que pensam e pesquisam a realidade brasileira nem os ouvimos. Especialmente se eles ainda estiverem vivos. É sandice acreditar que intelectuais já mortos, que pensaram e resolveram os problemas de sua época, solucionarão problemas de hoje, que nem sequer imaginaram. Raramente ensinamos os nossos filhos a resolver problemas, a não ser algumas questões de matemática, que normalmente devem ser respondidas exatamente da forma e na seqüência que o professor quer.


Matemática, estatística, exposição de idéias e português obviamente são conhecimentos necessários, mas eu classificaria essas matérias como ferramentas para a solução de problemas, ferramentas que ajudam a pensar. Ou seja, elas são um meio, e não o objetivo do ensino. Considerar que o aluno está formado, simplesmente por ele ter sido capaz de repetir os feitos intelectuais das velhas gerações, é fugir da realidade.


Num mundo em que se fala de “mudanças constantes”, em que “nada será o mesmo”, em que o volume de informações “dobra a cada dezoito meses”, fica óbvio que ensinar fatos e teorias do passado se torna inútil e até contraproducente. No dia em que os alunos se formarem, mais de dois terços do que aprenderam estarão obsoletos. Sempre teremos problemas novos pela frente. Como iremos enfrentá-los depois de formados? Isso ninguém ensina.


Existem dezenas de cursos revolucionários que ensinam a pensar, mas que poucas escolas estão utilizando. São cursos que analisam problemas, incentivam a observação de dados originais e a discussão de alternativas, mas são poucas as escolas ou os professores no Brasil treinados nesse método do estudo de caso. 
 

Talvez por isso o Brasil não resolva seus inúmeros problemas. Talvez por isso estejamos acumulando problema após problema sem conseguir achar uma solução.

Na próxima vez em que seu professor começar a andar de um lado para o outro, pense no que você está perdendo. Poderia estar aprendendo a pensar.

Publicado na Revista Veja, Editora Abril, edição 1763, ano 35, nº 31, 7 de agosto de 2002, página 20.
Reprodução autorizada pelo autor, a quem Intervalo Cultural Rio muito agradece a gentileza.

Visitem a página do professor Stephen Kanitz.

sábado, 11 de junho de 2016

LOBO MAURO E A "GERENTALHA", DE FRANCISCO FILARDI




O superintendente da empresa era um sujeito chamado Mauro. Sua atividade consistia em avaliar e controlar o desempenho dos gerentes de todas as filiais do estado, cabendo-lhe, inclusive, a aplicação de sanções punitivas aos descumpridores das metas estabelecidas. Em suma, era o homem do chicote!



De quando em quando, o cidadão Mauro reunia os subordinados no auditório de uma concorrente, no centro da cidade, para realinhar as cifras (e distribuir chicotadas). Mas o clima de seriedade da conversa ganhava contornos de cinismo, já que, entre sorrisos irônicos e piadinhas sem graça, o chefão apertava o pescoço da turma com metas que via de regra ignoravam as características da clientela e as peculiaridades da região onde atuavam os respectivos núcleos negociais. Ou seja, a empresa fixava metas consideradas intangíveis, sobretudo pelos gerentes situados em regiões menos favorecidas do estado, o que era sempre alvo de protestos e burburinhos nessas reuniões.



Mas nem nossos frequentes insucessos no trato dos negócios nem as ameaças do superintendente acabavam com o nosso humor. Digo nosso porque eu também fazia parte do distinto rol de gerentes da empresa - a gerentalha, como dizíamos¹.



Pois bem, numa dessas tardes de reunião, aguardávamos a chegada do superintendente em pequenos grupos, dispersos pelo auditório. Entre amenidades e fofocas trabalhistas, um gerente gaiato, que participava do grupo próximo à entrada do salão, achou de ironizar, em boa voz, os excessos administrativos do... “lobo Mauro”. Para azar do pateta, o superintendente, que passava por ali na hora, tomou nota da jocosa homenagem que lhe rendiam os gerentes. Mauro parou e acenou para o grupo maledicente com um discreto sorriso de canto de boca, como quem diz: - “Vocês estão fritos!”.



No entanto, Mauro deixou transparecer a enganosa impressão de não se ter deixado afetar pela graciosa alcunha e iniciou a reunião com a costumeira ladainha. Fez desfilar gráficos, índices, resumos, estatísticas e projeções de metas que indicavam o nosso (segundo ele) medíocre desempenho (o que não era novidade!). E, à certa altura do monólogo (pois só Mauro falava), entre ameaças de encerramento das atividades desta ou daquela filial y outras cositas más, o superintendente revidou com essa: - “Não finjam que estão trabalhando, porque a empresa não finge que paga a vocês!”, um tremendo chute no saco! Um clássico da moderna administração!



É claro que não levávamos a sério os sermões administrativos, porque as ameaças de demissão por improdutividade e de fechamento de agências eram históricas (àquela altura, quase lendas). O destempero do superintendente era por nós entendido, portanto, como decorrente de seu compromisso, afinal ele também tinha metas a cumprir e, da mesma forma que nós, era cobrado por elas. Era um círculo vicioso e havia até uma certa graça nesse rebuliço. Mas o fato é que a graça parou por aí. Não tardou para que a gerentalha (quase toda) fosse demitida. A empresa, adquirida e incorporada por uma concorrente², mais adiante daria aos gerentes gerais de cada filial a ingrata tarefa de distribuir a seus colegas de gerência e demais funcionários os deprimentes “bilhetes azuis”. E nem mesmo o lobo escapou do destino reservado às ovelhas.



Era o triste fim de um tempo em que, apesar das metas sufocantes, do trabalho monocórdico e do convívio habitual com o fracasso, havia um sorriso divertido permeando a rotina dos gerentes e do pessoal do chamado “baixo escalão”.


(de Francisco Filardi, finalizado em 11/06/2016)

__________



¹ trocadilho com o bordão “gentalha, gentalha!” do ator Carlos Villagrán, no seriado mexicano Chaves, ou Chespirito como é conhecido no país de origem.

² a adquirente e incorporadora não fora a mesma empresa que gentilmente nos cedia o auditório.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

O ATESTADO DO FALSO MARECHAL, DE FRANCISCO FILARDI


Rondon estagiava, há pouco mais de um ano, em uma agência bancária no centro da cidade. No posto de assistente da gerência, sua atribuição básica era municiar o comitê com os relatórios do dia e registrar no sistema as contratações e as renovações dos investimentos da clientela: CDB, RDB, poupança, fundos e por aí vai.

O rapazote era até responsável para a idade (tinha vinte e três anos): demonstrava interesse pelo trabalho, cumpria com o seu dever e era assíduo, o que agradava ao corpo gerencial. Era bem humorado e cortês com a clientela, por isso não tardou em conquistar a simpatia dos colegas.

Rondon, como se sabe, é um sobrenome raro. Na agência em que o moço trabalhava, ninguém conhecera um homônimo além do Marechal Cândido Mariano da Silva, notável militar e sertanista brasileiro, criador do Serviço de Proteção ao Índio. Mas logo no início da carreira do estagiário, um gerente gaiato tratou de vinculá-lo ao histórico compatriota, concedendo-lhe a alcunha de marechal. O apelido (mais zombeteiro que carinhoso) pegou, apesar da patente às avessas desse marechal estagiário que recebia ordens.

Pois bem, em certa manhã Rondon não compareceu ao serviço. Só no início da tarde um colega da agência ficara sabendo que o louvado estagiário andava enfermo. Diagnóstico: virose, doença genérica inqualificável (já que ninguém sabe do que se trata). A de Rondon era daquelas brabas, que deixa a vítima em estado febril, com as pernas bambas e sem arredar os pés das cercanias do banheiro. Haja soro caseiro! Repouso! Paracetamol! A coisa foi tão feia que a convalescença do rapaz duraria ainda mais cinco dias.

Retornando ao serviço, Rondon apresentou o atestado médico ao gerente geral, para as providências de praxe. O documento, em impresso próprio, trazia endereço, telefones, e-mail, bem como o carimbo, o CRM e a assinatura da profissional que o atendera. Tudo dentro dos conformes, se não fosse por um detalhe: a médica atestante era ginecologista! Explica-se: uma tia do estagiário, graduada em medicina e especializada na área, prestara atendimento de urgência na residência do rapaz, já que este, enfraquecido pela doença, não tinha condição de sair. Prescrevera-lhe a medicação e fornecera ao sobrinho o atestado com o carimbo de costume!

Ao receber o documento, o gerentão segurou o riso, transformado em frouxa gargalhada assim que o estagiário lhe deu as costas. A informação, a princípio, fora repassada ao corpo de gerentes, mas logo chegaria também ao conhecimento de escriturários, caixas e chefes de serviço, no melhor estilo escravos de Jó. De quando em quando, explodiam entre os funcionários sonoras gargalhadas, face a reprodução da história do atestado. A essa altura, o estagiário não entendia por que seus colegas demonstravam tamanha felicidade, justo numa segunda-feira. É claro que confidenciaram ao rapaz o motivo da tal felicidade. Ele, que não percebera o engano da tia, gargalhou também.

E o estagiário boa praça permaneceu querido pelos colegas. Agora, sob a alcunha de... marechala.

(Francisco Filardi - finalizado a 20.04.2016)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O "CHINA", DE FRANCISCO FILARDI




Meu primeiro contato mais imediato com a morte se deu quando eu tinha dez para onze anos. O ano era 1976. À época, eu cursava a antiga quinta série do curso ginasial (hoje, sexto ano do ensino fundamental), num colégio situado na rua Conde de Bonfim, no bairro da Tijuca. Essa unidade de ensino viraria cinzas pouco mais de três anos depois, demolida pela irrefreável marcha do progresso. Para nós, alunos, uma grande tristeza. Mas houve outras, tão significativas e indeléveis quanto.

Na minha sala, estudava o também pré-adolescente Adilson, apelidado “china” devido aos olhos um tanto puxados. Tanto eu quanto ele fazíamos parte de uma meia dúzia que se reunia na hora do recreio, ou mesmo antes das aulas, para jogar futebol de chapinha no pátio (não na quadra de esportes), nos dias em que o inspetor escolar (de nome Jesus!) não nos liberava a pelota. O futebol de chapinha, para os que não estão familiarizados com a expressão, não precisava de muito: apenas uma tampinha de refrigerante, dois pares de camisas ou de mochilas, para delimitar as áreas correspondentes às traves, e um bando de moleques fedorentos correndo para cá e para lá, atrás da tal chapinha. Quando nos sobrava um dinheirinho, íamos até a papelaria do “seu” Moreira, que ficava em rua próxima do colégio, para comprar bolas de borracha coloridas (dessas que cabem na palma da mão), fabricadas pela Mercur, para a mesma finalidade. Não faço ideia de quantas bolas perdemos para a Conde de Bonfim (que corria paralela ao pátio), mas essa era uma das muitas diversões que amávamos e hoje recordamos com imensa gratidão e saudade.

Lembro-me bem do “china”: gago, de baixa estatura, cabelos claros e encaracolados (como devem ser os de um anjo, suponho), a pele bem alva. Trazia consigo uma maleta com alça, conhecida como “007” (moda, à época), contendo, além do material escolar, um sanduíche caseiro, feito com pão de forma, ou um pacote de biscoitos Mirabel. Era sorridente e muito querido. Estava sempre conosco e participava ativamente tanto das atividades curriculares (sobretudo, das aulas de educação física) quanto das deliciosas bagunças que aprontávamos quando não havia aula.

Se a memória não me trai, aconteceu no mês de agosto. O avô do “china” era colecionador de armas de fogo. Se havia sido militar, não sabíamos, pois Adilson nunca nos contou. Mas é fato que seu avô as tinha em casa. Um absurdo. A notícia chegou à escola, sendo levada ao conhecimento da professora Marisa, de Estudos Sociais, que a essa altura lecionava para a nossa turma: na véspera, Adilsinho estava a ajudar o avô a limpar um revólver da coleção, quando um de seus dedos prendeu-se no gatilho. Na tentativa de desvencilhar-se, a arma, que estava estupidamente carregada, disparou, atravessando o coração do meu amigo. A morte lhe veio imediata. Quando a história vazou para a turma, fui tomado por um misto de perplexidade, indignação e incredulidade. Como ele não poderia estar mais entre nós, se na véspera ele havia assistido às aulas conosco? Como?! Foi essa a primeira vez que percebi o quanto a morte era absurda (e injusta). Mas não consegui chorar. Não ali.

Ao chegar em casa, fui direto para o chuveiro; lá, sim, desabei num choro incontido. Queria que a água corrente livrasse meu coração daquelas lágrimas cheias de tristeza e saudade, que as levasse para longe. Meus pais nunca souberam disso. E foi por mera vergonha. Não queria que me vissem chorando.

O que isso custou a um meninote de apenas dez anos só um psicólogo me poderá dizer. O fato é que lá se vão quarenta anos. Talvez o pequeno “china” tenha-se tornado mesmo um anjo. Assim espero.

(verídico - Francisco Filardi)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

ATENDIMENTO NAS ZONAS ELEITORAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO AGORA DEVE SER AGENDADO

Eleitor que ainda não tirou o título ou precisa regularizar sua situação deve agendar o quanto antes, 
para não deixar de votar em 2016


Para ser atendido em qualquer uma das 249 zonas eleitorais do Estado, agora o eleitor deve agendar o comparecimento pela internet, no site do TRE-RJ, ou pela Central de Atendimento Telefônico (CAT), no telefone (21) 3436-9000.

Além de proporcionar maior conforto no atendimento, a nova medida, adotada também em diversos outros órgãos públicos, tem como objetivo fazer com que o eleitor que está em situação irregular antecipe a ida aos cartórios eleitorais e garanta seu direito de votar em 2016. "Essa tradição brasileira de deixar tudo para a última hora precisa ser modificada. É um hábito que provoca filas e transtornos a todos no período do fechamento do cadastro. Queremos mudar essa cultura", explicou o presidente do TRE-RJ, desembargador Antônio Jayme Boente.
Nas eleições municipais deste ano, o cadastro nacional de eleitores será fechado em 4 de maio, prazo que não pode ser adiado. "O ideal é que o eleitor agende logo, sem deixar para as últimas semanas, quando a procura será grande e as vagas, limitadas", aconselhou o presidente do TRE-RJ. Após o fechamento do cadastro, não podem ser realizadas inscrições de novos eleitores, transferências de domicílio eleitoral ou regularização da situação com a Justiça Eleitoral de quem deixou de votar ou justificar a ausência em três turnos consecutivos. Nesse caso, o título está cancelado e o eleitor não poderá votar em outubro. Quem não fizer o título até 4 de maio também ficará sem votar. Vale lembrar que quem completar 16 anos até o dia do primeiro turno (2 de outubro) já pode se alistar.


Quem precisa agendar

Deve fazer o agendamento quem ainda não tirou o título e deseja votar nas Eleições 2016, bem como os eleitores que estejam com o título cancelado ou queiram pedir transferência de local de votação. Também precisam marcar data e hora para comparecimento os eleitores portadores de deficiência física ou com mobilidade reduzida que desejam solicitar transferência para uma seção de fácil acesso, bem como aqueles que tiveram mudança no nome e precisam atualizar seus dados pessoais.


Como agendar

Para fazer o agendamento, o interessado deve acessar o link TRE-RJ
e escolher a data e o horário desejados entre as opções disponíveis. Também é possível marcar o atendimento pelo telefone (21) 3436-9000, que funciona de segunda a sexta-feira, das 11h às 19h.


Documentos necessários

Quem for tirar a primeira via do título eleitoral deve levar documento de identidade original e dentro da validade e comprovante de residência atual. No caso de alteração do nome, é necessária, ainda, a apresentação de documento que comprove a mudança dos dados, como certidão de casamento ou sentença judicial. Os eleitores do sexo masculino maiores de 18 anos que forem tirar a primeira via do título devem levar também o comprovante de quitação militar.

Você pode agendar atendimento para: emissão do título de eleitor pela primeira vez, transferência, segunda via e revisão dos dados cadastrais.

O agendamento permite ao eleitor a escolha do dia e horário de sua preferência, tornando tudo mais prático e rápido.

Para solicitação de justificativa, pagamento de multa ou obtenção de certidões não é necessário agendamento, basta ir diretamente ao cartório.

A emissão das seguintes certidões pode ser realizada, pela internet, neste site: certidão de quitação eleitoral, certidão de crimes eleitorais, certidão de composição partidária, certidão de filiação partidária e certidão negativa de alistamento eleitoral.

Confira os documentos necessários para o atendimento:

Documento oficial de identificação, dentro do prazo de validade, do qual se infira a nacionalidade brasileira (RG, Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, identidade emitida pelos órgãos criados por lei federal (OAB, CRM, CREA etc.), certidão de nascimento, certidão de casamento etc.); 

Não será aceito o modelo do passaporte que não contiver os dados referentes à filiação;

A Carteira Nacional de Habilitação (CNH) não será aceita para o primeiro título, por não conter a nacionalidade;

Comprovante de quitação com o serviço militar (homens com idade entre 18 e 45 anos) para o primeiro título;

Comprovante de residência recente (contas de luz, água ou telefone, nota fiscal ou envelopes de correspondência etc.).

O Juiz Eleitoral, se necessário, poderá especificar mais detalhadamente os documentos que serão aceitos como comprovantes de residência.
Fonte: TRE-RJ