quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

UM ELEFANTE INCOMODA MUITA GENTE; UMA TIGRINHA INCOMODA MUITO MAIS...

 (texto de Francisco Filardi)

Na última semana, jornais de grande circulação em todo o país noticiaram a ameaça de morte que a menor Isadora Faber, de 13 anos, e sua família, residentes em Santa Catarina, receberam pelo Facebook. À frente do blog Diário de Classe, Isadora denuncia irregularidades identificadas em escolas públicas, sobretudo naquela em que estuda, sob tutela do município. A ameaça foi feita sob perfil falso.

A criação de perfis falsos e o anonimato na rede mundial de computadores remetem ao Projeto de Lei n° 2126/2011, em trâmite no Congresso. Conhecido como “Marco Social da Internet”, esse PL, cujo relator é o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), tem por finalidade “estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”. Iniciativa esta que, entre outras motivações, visa a respaldar a Lei n° 9.610/98 (sobre direitos autorais) na remoção de conteúdo ofensivo e não autorizado da rede. Mas, no que tange a sua eficácia, o referido projeto de lei deixa dúvidas quanto ao alcance, à clareza e à plena obediência ao texto constitucional.

O caput e o inciso I do art. 3° do PL, por exemplo, estabelecem: “Art. 3º - A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição” [...] (grifo nosso). No que se refere à manifestação do pensamento, a redação do inciso IV do art. 5° da Constituição Federal, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, estabelece que “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (grifo nosso). Da forma como está redigido, o texto do inciso I do art. 3° do PL dá a entender que tão somente a primeira parte do inciso IV do art. 5° da Constituição foi contemplada pelo legislador, podendo o cidadão manifestar opiniões e convicções livremente na internet, de forma pacífica ou agressiva, sob perfil verdadeiro ou falso.

De outro ângulo: segundo a Constituição, é livre a manifestação do pensamento. Esta é uma verdade. Mas, ao compararmos o texto do inciso I do art. 3° do PL com o estabelecido na Constituição, entendemos que o mesmo expressa apenas meia verdade. Isto porque a vedação ao anonimato, prevista no texto constitucional, não figura expressamente no PL, o que é relevante. Ainda que o relator tenha amparado-se no texto constitucional, pois que todas as leis a este estão vinculadas, um dispositivo legal, ou um projeto de lei, não deve dar margem a dúvida. Uma lei que permite “interpretações” está mal redigida. A lei necessita de ser pontual. Ou “é” ou “não é”. Não o sendo (pontual), a eficácia da lei recai no “que não é o que não pode ser que não é1”.

Se a criação de perfis falsos e o anonimato na internet não forem tratados nos termos da Constituição, perseguições, agressões e ameaças de morte continuarão a ocorrer. Cabe à Justiça, ao Ministério Público, à Polícia Federal, à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática e às instituições que atuam em prol dos Direitos Humanos mudar tal cenário - para que perseguições, agressões e ameaças de morte não migrem do ambiente virtual para o real e tenhamos que ler nos jornais notícias que não desejamos.


(1) – verso de Arnaldo Antunes para a música “O quê”, da banda paulista Titãs.
(2) – segundo a wikipédia, o termo “cracker” (informática) define o indivíduo que viola um sistema de segurança.

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