ELES
ESTÃO ENTRE NÓS
(Francisco
Filardi)
Naves
alienígenas estacionam no espaço aéreo de vinte e nove cidades, em
todos os continentes da Terra. Extraterrenos, de aparência humana,
chegam prometendo paz e esperança. Oferecem sua tecnologia e
medicina avançadas, para dar aos terráqueos a "garantia"
de uma aproximação pacífica. "Nós
somos da paz. Sempre."
é o que anunciam. Mas a verdade por trás das aparências é
aterrorizante. Nos planos de Anna, ardilosa e cruel rainha de uma
raça reptiliana, constam abduções e experiências com humanos, o
extermínio dos membros da resistência (a chamada "Quinta
Coluna") e a invasão ao nosso planeta. Em linhas gerais, esse
é o mote de "Visitors"
(2009-2011), seriado de ficção científica produzido pelo canal
ABC, dos Estados Unidos, com direção de Kenneth Johnson1.
O
“piloto” da série mostra a aparição de uma dessas naves sobre
a cidade de Nova Iorque, o que provoca a queda de um avião da força
área. Enquanto a nave terrena corta o céu em chamas, o aviador é
ejetado e o que se vê, no desdobramento da cena, é um paraquedas
trazendo ao solo um bisonho manequim!
No entanto, tomar esse descuido técnico como referência para
cristalizar uma opinião sobre o seriado é engano pueril.
Apesar
dos deslizes, na montagem e no roteiro, "V" traça
paralelos interessantes: não se atém à manjada crítica à versão
oficial do governo sobre evidências de vida fora da Terra ou à
ideia de que extraterrestres coabitam o nosso planeta, há muito2,
a exemplo de outras produções. A estes, que vivem entre nós, a
propósito, é atribuído o desastroso resultado de tudo o que é
avesso à condição humana: o produto das ações e decisões que
configuram a realidade que conhecemos (ou pensamos conhecer).
"Para
poder andar entre nós, eles disfarçam a aparência clonando carne
humana sobre sua pele reptiliana [...]. Os visitantes não chegaram
agora. Eles estão aqui há anos. Há décadas, eles estão
implementando um plano e vai resultar no extermínio de cada homem,
mulher, criança, da face da Terra. Os visitantes disfarçados de
humanos se estabeleceram em todas as facetas da vida. Seja nos
negócios, governo, religião, forças armadas. Isto levou anos. Uma
vez baseados entre nós, começaram a criar instabilidade mundial,
guerras desnecessárias, crises financeiras, crenças levadas ao
extremismo. O estágio final do plano dos visitantes começou quando
eles se revelaram a nós. Eles ganham confiança com a promessa de
amizade e tecnologia e é claro que eles estão se posicionando como
os salvadores da humanidade. Quando a população descobrir tudo, já
será tarde".
Esse particular foi abordado também, ainda que de passagem, no
quarto episódio do seriado "Taken"3,
intitulado "Acid
tests".
Os
reptilianos estabelecem centros de cura na Terra, recuperam doentes
terminais, presenteiam nossos governantes com uma poderosa fonte de
energia azul, fazem maravilhas aos olhos dos cidadãos comuns e
canalizam, em benefício próprio, a capacidade humana de acreditar:
sua DEVOÇÃO. Induzem os terráqueos a aceitar passivamente que
esses "milagres" são a resposta para seus males e
aflições. A influência dos forasteiros é tal que leva fiéis a
abandonarem paróquias e a questionarem Deus, provocando um racha na
Igreja.
O
papel da imprensa, como instrumento de manipulação da opinião
pública, e a máquina de propaganda, tão fortemente empregada por
Adolf Hitler, na Segunda Guerra, mostram-se eficientes no propósito
alienígena de conquista da "simpatia popular". Anna (a
brasileira Morena Baccarin) encontra no apresentador de noticiários
televisivos Chad Decker (Scott Wolf, ótimo) o meio ideal para
distorcer os fatos e fazer as coisas acontecerem em prol dos
visitantes. A rainha sabe por onde começar: "Os
Estados Unidos são a chave. Quando eles nos derem liberdade, os
outros países farão o mesmo".
E instrui os comandantes das demais 28 naves a fazerem o mesmo, nas
respectivas sedes: "As
opiniões mudam rápido. Monitorem e, se necessário, moldem essas
opiniões em seus territórios",
numa clara alusão ao nosso modo de "fazer política".
As
táticas empregadas para tal são velhas conhecidas dos aparelhos
militares: promover atentados e atribuir a autoria a inimigos (para
justificar perseguições), introduzir infiltrados nas linhas
inimigas, plantar provas, torturar para obter informações. E isso
vale para ambos os lados da trincheira. Trata-se de um "jogo de
xadrez", uma guerra de inteligências nos moldes do século XXI,
onde cada lado procura minar a resistência do outro, minimizar as
perdas e não suscitar a desconfiança dos cidadãos.
Na
série, três elementos são trabalhados de forma notável: a
complexidade
da alma, a fragilidade
das emoções e os efeitos da
desestruturação
do núcleo familial. As motivações individuais
são pontos-chave em "V". Mesmo numa guerra, humanos e
reptilianos revelam, ao longo da trama, interesses que põem à prova
o êxito de suas missões. Já no que se refere aos jovens, a
credulidade e a desatenção aos detalhes os tornam presas daquilo
que a mera aparência os leva a ver. É o chamado "canto da
sereia": a percepção da realidade que entorpece os sentidos e
cega a razão. "Quando
achamos que estamos ajudando nossos filhos, mais eles se distanciam",
reconhece a agente do FBI Erica Evans (personagem de Elizabeth
Mitchell).
"Visitors"4
não é um seriado extraordinário. Mas é interessante e merece um
olhar atento.
P.S.:
os destaques da série são os expressivos atores Scott Wolf (Chad
Decker) e Laura Vandervoort (na pele de Lisa, filha de Anna), bem
como o experiente Joel Gretsch (o padre Jack Landry). Gretsch brilhou
também em outras duas produções de ficção científica: a
minissérie "Taken" (2002) e o seriado "The 4400"
(2004-2007), cancelado após a 4ª temporada.
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1
Kenneth Johnson dirigiu
também as minisséries “V: The original series” (dois episódios,
1983) e “V: The final battle” (três episódios, 1984), e a série
“V: The series” (única temporada, com 19 episódios, 1985).
2
“Visitors” bebe da fonte de outro seriado
televisivo, que teve carreira curta: “Os invasores” (1967-1968),
produzido pela rede ABC, dos Estados Unidos. No Brasil, foi um dos
primeiros exibidos na inauguração do Sistema Brasileiro de
Televisão (SBT), em 1981 (ou outros seriados dessa fase foram “James
West” e “As cruzadas”). Seu protagonista, o arquiteto David
Vincent (o ator Roy Thinnes), descobre o andamento de um plano de
invasão alienígena e decide percorrer o país para convencer as
pessoas do perigo iminente e frustrar o intento. Os extraterrestres
da série, a exemplo dos de “V”, não têm emoções e
apresentam-se na forma humana.
3
A minissérie de ficção científica "Taken"
("Abduzidos"), dirigida pelo cineasta Steven Spielberg,
teve seus dez episódios exibidos originalmente, em 2002, pelo Sci-Fi
Channel, nos Estados Unidos. No Brasil, foi exibida pela HBO (2003),
pela FOX (2005) e pela Rede Bandeirantes de Televisão (2006).
Vencedora do Prêmio Emmy, a minissérie foi lançada em DVD, em seu
país de origem, mas o produto não chegou ao mercado brasileiro.
4
A segunda temporada de "V" foi abreviada, devido ao
declínio da audiência. Dos treze episódios previstos inicialmente,
apenas dez foram gravados. A série foi cancelada, logo em seguida.
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