quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

NADA INOCENTE (de Francisco Filardi)




Rosana aproximou-se de Célio, no intervalo das aulas, e disparou:

- Celinho, namora comigo?

Ele já havia a havia notado. Era pequena, de pele alva e longos cabelos negros caídos às costas. O rosto, levemente arredondado, era perfeito, sem marcas. E trazia nos lábios um sorriso frouxo, de ar atrevido, debochado até. Não usava batom. Nunca. A calça jeans, colada ao corpo, era um atrativo à parte. E a blusa, de tecido fino, realçava a silhueta delineada. Mas, ela não constava das preferências do rapaz. A Célio, Rosana sempre parecera fria, distante. Raras foram as ocasiões em que entabularam conversa. E eram conversas que semeavam certo desprezo (da parte dela). Ela jamais insinuara interesse. Ele, por sua vez, não se impressionara. 

Bem mais maduro que os colegas de sua faixa etária, Célio percebera o tom incomum da pergunta, num desses estranhos pressentimentos que só fazem acender a luz amarela do perigo. E declinou da proposta. Nos dias seguintes, as faltas de Rosana às aulas tornaram-se frequentes. Depois, diárias. Ela desaparecera da escola. Mas a ausência da moça não passara despercebida. Célio, que era o representante de sua turma, foi até à secretaria e informou o sumiço. Solícito, o secretário escolar deu as ordens. E, na manhã seguinte, toda a escola saberia do paradeiro de Rosana. Contatada por telefone, a avó, que residia num bairro afastado, relatou que a moça, agora em sua companhia, estava grávida. E que, envergonhada, abandonara a escola por conta própria. 

Assim que soube, Célio mergulhou numa breve reflexão. Dividia-se entre a raiva (da intenção maldosa de Rosana) e uma surpreendente compaixão. Isto porque, ainda que nutrisse algum sentimento por ela, ainda que houvesse respondido sim àquela pergunta nada inocente, que futuro ele poderia dar à criança (esta, sim, inocente)? A resposta caiu no vazio. E um silêncio aterrador desabou ali. Celinho ergueu o olhar, inspirou lentamente o ar da primavera e agradeceu a Deus por ter-lhe dado juízo.

finalizado a 09.12.2015

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