domingo, 20 de maio de 2012

AO INFINITO E ALÉM

O envelhecimento corresponde a ação do tempo sobre a matéria.  E deveríamos entender tal condição como uma etapa natural do processo evolutivo. Mas muitos dentre nós entendemos os efeitos da perda progressiva da energia vital como ameaça.  Essa interpretação provoca no ser humano uma sensação de fragilidade, e até de impotência, com que poucos sabem lidar.  De fato, é difícil enfrentar aquilo que não conhecemos.  

Contudo, o pior, no ato de envelhecer, não são os cabelos brancos que nos denunciam, mas o fato de olharmos para os lados e percebermos que algumas pessoas, as quais passaram boa parte da jornada caminhando conosco, já não mais o fazem: nossos entes queridos, da família ou não; pessoas a quem admiramos pelo que significam ou representam, ou tão somente porque nos maravilhamos com sua arte.  Com o passar dos anos, a crueza da realidade nos torna solitários, obtusos e até refratários, por testemunharmos seu desaparecimento. Fato é que uma parte de nós se vai com elas.  Ainda mais quando perdemos uma referência de nossa infância ou juventude.

Christopher Reeve poderia ter sido um ator como outros tantos.  Estava no risco de alcançar ou não o estrelato.  Era provável até que passasse despercebido.  Mas ele tornou-se bem mais que uma estrela na constelação Hollywood.  Ao vestir pela primeira vez a malha azul e vermelha do Super-Homem, em 1978, é provável que Reeve não fizesse ideia de que entraria para a história da cinematografia moderna ao imortalizar a personagem criada por Jerry Siegel e Joe Shuster, quarenta anos antes.

Se alguém dentre nós tivesse o poder de girar a Terra no sentido inverso, tal como a sua personagem em Superman, o filme, fazendo retroceder o tempo e os acontecimentos, decerto Christopher Reeve estaria vivo.  Mas ao contrário dos quadrinhos*, nosso Super-Homem não ressurgirá da morte. Porque era humano.  E foi justo essa condição de Reeve que nos fez compreender a tênue linha que separa a fantasia da realidade. Ele provou que o Apocalypse** não é o fim: que é possível agarrar-se ao improvável e amar incondicionalmente - tanto este planeta azul quanto a extraordinária espécie que deu vida à sua personagem -, o que fez dele, Reeve, um herói de carne e osso.  É assim que nos desejamos lembrar de Christopher Reeve: não como um mito, mas como um homem que, apesar de tudo, amou a vida e tentou superar o impossível***.

Minha geração envelhece, sim, mas esvazia-se com o último voo do Super-Homem.  Ao infinito e além, Reeve.

Francisco Filardi 


Ao CINE HQ e seu editor, Paulo Joubert Alves, pela inspiração.
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Texto publicado originalmente em Intervalo Entretenimento & Mídia, edição impressa, n° 37, em Mar/Abr 2005 (com alterações para publicação online);

* referência ao quadrinho The death of Superman, publicado pela DC Comics, em 1992 (A morte do Superman foi publicado no Brasil pela Editora Abril); 

** referência à personagem Apocalypse, de The death of Superman;

*** referência ao livro Nothing is impossible, reflections on a new life, de Christopher Reeve, publicado em 2003 pela Ballantine Books, New York. No Brasil, o livro recebeu o título Superar o impossível, uma história de grande determinação, publicado pela Alegro no mesmo ano;

Christopher Reeve faleceu a 10/10/2004, vitimado por infarto.

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