quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

A UM CAVALHEIRO QUE CHOROU COM SUA ESPOSA UMA PEQUENA PERDA


Passaram por nossas vidas cautelosos,

como quem pisa em almofadas de algodão;

eram capazes de andar no vidro sem quebrá-lo

de roçar uma taça sem derramar uma gota sequer.

 

Eram sábios: no verão, escolhiam a sombra mais fresca;

no inverno, o calor de nossos corpos adormecidos.

Andavam pela casa deixando uma esteira

de inapreensíveis fibras de ouro ou nácar.

 

Muitas vezes nos afastaram do nosso lugar,

que também era seu lugar favorito,

e nós, reis destronados e imensos,

fomos nos acomodar - é um modo de dizer -

no mais incômodo assento da casa.

 

Quantas vezes acalmaram nossa angústia

com o rumor que vibra em sua garganta.

Demos a eles tudo que pediram;

e eles aceitaram

com a majestade de quem nada pediu.

 

E às vezes éramos dominados pela perplexidade 

de ter enfiado em casa uma fera terrível,

uma fera armada de garras e dentes

que, com língua de lixa, penteia sua seda ao sol.

 

No fim morreram:

apenas um suspiro

e restou um farrapo de pele suave, quase nada,

discretos e dignos

na morte como na vida.

 

Assim foram nossos gatos

e mesmo agora,

muitos meses depois,

de vez em quando

encontramos

um pelinho de seda em nossas roupas.

 

(Esteban Villegas)

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