BATMAN
JÁ FOI DIVERTIDO
PARTE I: OS ANOS 40
(Francisco Filardi)
a abertura da série de 1943
Batman
fez sua primeira aparição na revista em quadrinhos Detective Comics
n° 27, de maio de 1939, publicada pela editora DC Comics1.
A personagem de Bob Kane (traço) e Bill Finger (roteiro) teve apelo
imediato entre os jovens e já nos anos 40 ganharia duas minisséries
para o cinema: em 1943 e em 1949, ambas produzidas pela Columbia
Pictures Corporation.
Realizada
no auge da Segunda Guerra, a série de 1943, embora incipiente - e
ingênua, para os padrões atuais -, situava o herói no contexto
político da época. Na aventura, Batman tinha como inimigo o vilão
japonês Tito Daka, um fiel seguidor de Hiroito, interpretado por J.
Carrol Naish. O elenco trazia Lewis Wilson, no papel principal, e
Douglas Croft, como Dick Grayson/Robin. A trama totalizava 15
episódios, com duração aproximada de 25 minutos cada, os quais
eram exibidos semanalmente nas matinês. Apesar das limitações
técnicas e das fracas atuações, a série tem valor histórico.
Já
a produzida no pós-guerra – com o mesmo número de episódios e
duração da série de 1943 -, apresentava melhorias significativas
no roteiro, nos recursos técnicos, nos efeitos especiais e no
desempenho dos atores. Coube ao grandalhão Robert Lowery o papel de
Bruce Wayne/Batman e a John Duncan o de menino prodígio. Na série,
Batman enfrentava o misterioso vilão encapuzado O Mago.
Ambas
as produções possuem características comuns e outras próprias,
que seriam exploradas com êxito na série televisiva realizada pela
20th Century Fox, na segunda metade dos anos 60, estrelada
por Adam West e Burt Ward, que comentaremos oportunamente. As
situações cômicas (e, não raro, absurdas) que marcaram essa
produção, entre outros aspectos, tornaram-na popular e,
curiosamente, elevaram-na à condição de "cult". Mas, ao
contrário do que possam imaginar os fãs da série produzida pela
Fox, tais características não eram próprias, pois as séries
pioneiras para o cinema também se valeram de circunstâncias
inverossímeis, curiosas e até hilárias, conforme anotamos a
seguir.
Os
pontos comuns entre os seriados de BATMAN, produzidos em 1943 e 1949:
- o acesso à Batcaverna se dá pelo gabinete de um enorme relógio de pêndulo, localizado na sala da mansão Wayne;
- Batman e Bruce Wayne utilizam o mesmo veículo2, um conversível – cujo teto é recolhido, quando usado por Wayne, e estendido, quando por Batman (na série de 1949, o fato intriga a repórter Vicki Vale);
- não raro, Bruce Wayne e Dick Grayson trocam seus trajes civis pelos dos heróis no veículo em movimento;
- os bandidos trajam ternos e chapéus, à moda da época;
- derrubado por bandidos, Batman é arremessado de janelas (no meio do caminho há um toldo, há um toldo no meio do caminho...);
- o início de cada episódio consiste numa repetição do final do episódio anterior, levemente modificado para revelar aos espectadores de que maneira Batman escapara das armadilhas;
- Gotham City é elemento secundário nas tramas, sendo raramente citada nas séries;
- ambas não aludem ao assassinato de Thomas e Martha Wayne, pais de Bruce, nem à origem de Batman;
- Bruce Wayne é retratado como um milionário preguiçoso e não inclinado a atos de heroísmo.
Lewis Wilson, o Batman de 1943
Características
da série de 1943:
- método de Batman para arrancar confissão de criminosos: deixá-los, a sós, numa sala da Batcaverna, na companhia de morcegos "de verdade". Apavorante!;
- roteiro frágil e situações repetitivas;
- dupla dinâmica ruim de briga (especialmente, Robin);
- o vilão, Tito Daka, é de certo modo condescendente com os fracassos de seus capangas (o único azarado morreu num poço com crocodilos, devido a uma artimanha de Batman);
- Batman é frequentemente dado como “morto” pelos capangas de Daka. Mas o herói sempre reaparece para frustrar os planos dos bandidos. Até o japonês fica intrigado: “Será que há vários Batman? Será que fazem parte de alguma organização?”;
- É comum Batman quebrar janelas, nas cenas de ação (uma das situações repetitivas, conforme citado no item 2);
- o ritmo das lutas remete, de forma distanciada, aos filmes de Chaplin e dos Comedy Capers, ou seja, coordenação e coreografia: ZERO!;
- A logo do Batman (morcego de asas abertas) serviu de modelo para aquela que se tornaria clássica no seriado de TV dos anos 60.
Características
da série de 1949:
- introduz a personagem Vicki Vale, repórter da revista Picture, interpretada pela atriz Jane Adams;
- Jimmy Vale, irmão de Vicki, é um dos capangas do vilão O Mago. Jimmy descobre que Batman é Bruce Wayne, mas em circunstância crítica sacrifica-se para salvá-lo;
- roteiro mais bem trabalhado que o da série de 1943;
- Batman e Robin são melhores de briga (mas, ainda assim, apanham; e muito...);
- trajes de Batman e Robin ficam num gaveteiro para pastas suspensas da Batcaverna (o que faz lembrar uma conhecida animação de William Hanna & Joseph Barbera: "Hong Kong Fu", de 1974/1976);
- o seriado apresenta Bruce Wayne/Batman iniciado em química;
- o grande lance dessa produção: ao longo da trama, o seriado dá inúmeras pistas falsas aos espectadores, mantendo a aura de mistério em torno da identidade do vilão O Mago, somente revelada no último episódio;
- a tecnologia está a serviço tanto dos heróis quanto dos vilões (máquinas que identificam pessoas através de portas, O Mago descobre o segredo da invisibilidade, engenhocas que paralisam veículos, filmes fotográficos especiais que captam o que os olhos não conseguem ver etc);
- o Batsinal é emitido por um projetor instalado na sala do comissário Gordon;
- Bruce Wayne pode ser preguiçoso, mas é criativo: inventa “n” desculpas para escapulir de jantares e encontros com Vicki Vale, e dar andamento às missões de Batman.
Cenas
bisonhas do seriado de 1943:
- Batman e Robin chegam a determinado ponto de um ferrovia, onde três bandidos preparam uma explosão, para interceptar um carregamento de rádio (elemento químico). Batman dá conta de dois deles e permanece abaixado na ferrovia, para desarmar ou desamarrar a bomba. Robin leva um sopapo do terceiro bandido e cai. A dois ou três metros de distância de Batman, esse terceiro bandido arremessa e acerta um graveto(!) na cabeça do herói, que tomba para o lado e D-E-S-M-A-I-A!;
- as lutas de Robin são sempre suspeitas: não se sabe se ele está de fato lutando, dançando ou agarrando os bandidos, numa de "venha cá, meu bem!";
- Não raro, o mordomo Alfred se mete em "furadas", para salvar a pele do patrão Bruce. Numa cena em que os heróis preparam uma cilada para os bandidos, Alfred está sentado à mesa, num escritório. Logo atrás, há uma janela, onde Batman e Robin permanecem à espreita. Quando os bandidos chegam, discutem com Alfred e partem para revistar a sala, quando os heróis adentram o recinto (quebrando mais uma janela...). Enquanto os heróis estão aos sopapos com os bandidos, o pobre Alfred vai ao chão. A câmera fecha no mordomo apavorado. E vemos aí uma cena hilária: caído de lado e agarrado nervosamente ao telefone, ele grita: "Socorro! Mandem alguém, pelo amor de Deus! Estão me assassinando!!!".
Cenas
bisonhas do seriado de 1949:
Robert Lowery e John Duncan também gostavam de janelas...
- em cena de luta num depósito, Batman recorre a uma pilha de caixas de papelão nitidamente vazias para derrubar os bandidos;
- escondido num beco, um dos bandidos prepara-se para atacar um policial, que caminha pela via principal. No cruzamento, o bandido parte para o ataque munido de um jornal, fazendo o policial D-E-S-M-A-I-A-R (o mais provável, de susto)!;
- tanque de gasolina leva tiro e não explode!;
- Batman costuma deixar “pacotes” (bandidos amarrados) na calçada, à porta da chefatura de polícia, com bilhetinhos ao Comissário Gordon, à moda do Homem-Aranha (“do amigo de sempre...”);
- o capítulo 8 ("Robin meets The Wizzard") traz uma cena inimaginável: ao preparar-se para pular de um avião, Batman veste o paraquedas, que fica mal colocado, com as tiras folgadas e o dito cujo à altura dos quadris. A cena seguinte mostra o herói em queda livre, com as pernas flexionadas, a barriga para cima e o paraquedas colado na bunda!!!;Batman de 1949, antes do "rolo" com o paraquedas...
- numa das cenas finais da trama, durante reunião na casa do intratável cientista cadeirante Dr. Hammil, ninguém se dá conta de que o mesmo se encontra de pé;
- o Batcinto de utilidades rende também boas cenas absurdas. Dele, saem um maçarico para escapar de uma sala com CO2 e reservatórios de oxigênio parecidos com bombas para asmáticos. Santa mentira, Batman!;
- No fim do capítulo 11, intitulado "Robin's ruse" (O ardil de Robin), há uma cena em que Batman e Robin seguem de carro, por uma estrada, em perseguição ao veículo do vilão O Mago. É quando ocorre um diálogo hilário entre este, no banco do carona, e um capanga, que conduz o veículo:
(O
Mago) - Estão nos alcançando! Não pode ir mais rápido?
(capanga)
- Saia e me consiga outro carro!
(O
Mago) - Não é hora para piada! Vejo que terei de assumir o
controle, como sempre!
Se
tal cena fosse produzida hoje, é muito provável que O Mago sacasse
da cintura uma pistola e desintegrasse o capanga engraçadinho, o que
equacionaria o problema de peso do veículo...
Brincadeiras
à parte, as séries de 1943, 1949 e 1966/1968 propõem um universo
distinto daquele visto nos quadrinhos. Em todas, vemos Batman agindo
à luz do dia (o que foge à natureza sombria da personagem) e um
Bruce Wayne preguiçoso e aparentemente descompromissado para com o
próximo e a sociedade. Apesar dessas características, que decerto
contrariam fãs ortodoxos, são séries que, até hoje, garantem a
diversão de uma audiência não exigente.
1
Wikipédia.
2
Embora Batman utilizasse carro desde sua primeira aventura nos
quadrinhos, a denominação “batmobile” só apareceria nos
quadrinhos em 1941. No entanto, o termo só viria a tornar-se
popular, de fato, com o seriado produzido pela 20th
Century Fox, para a rede televisiva ABC, nos anos 60. Esse veículo
foi adaptado por George Barris, a partir de um Lincoln Futura, ano
1955, fabricado pela Ford, em série não disponibilizada para
consumidores. Totalmente remodelado, esse “batmobile” foi
leiloado em janeiro de 2013 por U$4,6 milhões.
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