quinta-feira, 21 de julho de 2016

AS GENIAIS SACADAS DO FILME "THE MUPPETS" (2011)



Assim como em "Os Muppets conquistam Nova Iorque" (1984), "The Muppets" (2011) é alinhavado por uma proposta crítica e, a um tempo, saudosista, para fazer o público pensar e emocionar-se.

O boneco Walter, admirador fervoroso da turma criada por Jim Henson, viaja para Los Angeles e vai até ao estúdio onde os Muppets gravavam seu programa, agora abandonado e sujo. Lá, Walter descobre, acidentalmente, que um empresário picareta deseja adquirir o local e instalar ali o Museu Muppet, uma fachada para explorar o petróleo que há sob o terreno. É aí que a história começa. Walter procura Kermitt (Caco, o sapo, no Brasil) e ambos se propõem a reunir a velha turma, há muito separada, para fazer um programa nos moldes do teleton e angariar a quantia 10 mil dólares, até a meia-noite de determinado dia, para reaver o antigo estúdio. Para isso, fazem algumas loucuras, como o sequestro de um astro do cinema. O filme é divertido, inteligente e vale pontuar algumas situações:

1 - O "The Muppet Show" foi um programa televisivo de grande sucesso na TV estadunidense (e também no Brasil). Teve cinco temporadas (entre 1976 e 1981), dele tendo participado inúmeras celebridades como os cantores Harry Belafonte e Rita Moreno, e também o saudoso baterista Buddy Rich. Por que o programa saiu do ar? Simples: queda na audiência. É claro que há um desgaste observável nas séries longevas, mas nos Estados Unidos muitas séries produzidas nos últimos dez anos, não passam da primeira ou da segunda temporada. Isso é terrível, tanto para os atores (vítimas do desemprego), quanto para o público (órfãos de personagens com as quais se identificam). Aqui, no Brasil, copiamos esse modelo (valorização excessiva – e por que não, exclusiva? - dos índices de audiência, em detrimento da qualidade dos programas), o que é uma celebração ao dinheiro e um grave desrespeito para com os espectadores;

2 - Ao reencontrar os velhos amigos, Kermitt se vê chocado com a realidade: mesmo longe da fama, alguns encontraram o caminho, são bem sucedidos no mundo dos negócios, mas outros não tiveram a mesma sorte: sobrevivem com dificuldade, em estado de pobreza. Esse quadro reflete a realidade de muitos artistas, desligados das emissoras de TV por não se destacarem. Há, no entanto, alguns amigos de Kermitt que, no íntimo, sempre alimentaram a vontade de reacender a chama da paixão pelo entretenimento - e reviver a glória do "The Muppet Show". Já outros relutam, embora aceitem rever a decisão por motivos que não revelo;

3 - Quando Kermitt e sua turma vão conversar com uma empresária do ramo televisivo, esta lhes mostra um painel com o que "está na moda", o que "faz sucesso" hoje. Os Muppets estão fora de questão, segundo ela, porque foram "esquecidos". Ela, então, dá uma amostra da preferência do público: um “reallity show” intitulado "Hora de bater no professor", em que alunos vestidos com luvas de boxe esmurram um professor. Uma tremenda crítica à boçalidade que tomou conta da TV do século XXI, que exibe programas despropositados, sem compromisso com a função educativa; "cópias carbonadas" que se proliferam como vírus, maquiados pela suposta intenção de divertir o público, mas que, em verdade, resultam de um velado processo de imbecilização do espectador;

4 - O programa é transmitido ao vivo, mesmo com o teatro vazio. À medida que seguem as atrações, os telefones tocam. Artistas como Whoopi Goldberg e Selena Gomez chegam para ajudar (o mestre de cerimônias é o astro sequestrado de que falamos). E, incrivelmente, pessoas saem de suas casas e dirigem-se ao teatro;

4 - Enquanto os Muppets realizam seu teleton, a câmera alterna cortes entre o que ocorre no palco do teatro e nas casas dos espectadores. Não são apenas crianças que estão diante da TV: são famílias. Essa foi outra grande sacada do filme: o "The Muppet Show" não era um programa para crianças, mas para toda a família. Quantos programas da TV, hoje, são feitos para a família se divertir, rir e encantar-se em comunhão?

5 - O empresário pilantra sabota a apresentação, cortando a luz do teatro. Por um “pentelésimo” centavo de dólar, Kermitt e sua turma não conseguem o dinheiro para reaver o antigo estúdio. Mas antes de deixarem o teatro, o velho sapo se posiciona na escadaria, um pouco acima de seus companheiros, e discursa para os demais Muppets. Eles não fracassaram; fizeram o seu melhor, tentaram. Kermitt acredita neles, porque são uma família. E afirma que todos deixarão o teatro de cabeça erguida. Quando Kermitt destrava a porta do teatro e alcança a rua, fica estarrecido com o que vê: uma multidão os espera! E aí a sacada final do filme: o público não esquece seus artistas amados! Jamais!
 
Francisco Filardi

UMA LEITURA SUPERFICIAL SOBRE A VIDA DE MARIA ANTONIETA E A REVOLUÇÃO FRANCESA



Esse filme, dirigido por Sofia Coppola (2005), é uma leitura superficial da vida de Maria Antonieta (1755-1793), arquiduquesa da Áustria e esposa de Luís XVI, rei da França.

Algumas situações me desagradam nessa leitura. Primeiro, a opção pelo idioma inglês, o que, de certa forma, compromete a credibilidade da narrativa; segundo, o fato de Sofia ter-se apropriado de um recurso o qual foi empregado pelo australiano Baz Luhrmann, em "Romeu e Julieta", seu segundo filme (1996), e no extraordinário "Moulin Rouge", seu filme seguinte, de 2001: a opção por músicas pop em trabalhos de época, o que Sofia não realiza com o mesmo brilho. A tríade Robespierre-Danton-Marat sequer é citada, assim como a oposição jacobinos x girondinos x sans-culottes, cerne da Revolução. Ou seja, o filme negligencia a profundidade histórica, social e política desse que foi um dos episódios mais violentos e controversos da história da humanidade.

Ainda assim, o filme rende cenas interessantes. Na noite de núpcias - e em outras tantas consecutivas, nada de bom acontece no leito de Luís XVI e Maria Antonieta. Não sendo consumada a boda, a falta de perspectiva para a chegada de um herdeiro real traz enorme preocupação aos nobres do palácio (por motivações políticas e pessoais, claro). A "culpa" recai sobre a suposta frigidez da rainha. Mas a questão não é simples. Um diálogo entre uma dama e Luís XV (avô de Luís XVI, que viria a falecer de varíola) sugere ao espectador uma possível explicação para a falta de entusiasmo do jovem monarca:

- Boa tarde, majestade! Como vai o seu neto, o delfim?

Ao que o rei responde:

- Ele está caçando veados.

Luís XVI estava, de fato, numa caçada (uma das coisas de que mais gostava), mas é provável que a resposta do avô sugerisse dúvida quanto a masculinidade do futuro rei.

Há duas cenas belíssimas, ambas ao final do filme: a primeira se dá quando explode a Revolução e o povo se prepara para invadir o palácio e retirar de lá à força o casal real. Ambos, Luís XVI e Maria Antonieta, estão à mesa, ceando. Ouvem o clamor popular. Temem o desfecho. Entreolham-se. Luís abaixa a cabeça, enquanto Maria Antonieta estende o braço na direção do marido. Ambos se dão as mãos. São solidários no sofrimento. E a outra: ao fugirem do palácio, já na carruagem que os levaria a uma fortaleza, localizada fora de Paris, Luís XVI pergunta à esposa, que está a contemplar a paisagem:

- Admirando sua alameda de limoeiros?

- Eu estou me despedindo. - responde a rainha, com os olhos marejados, assim como Luís. E o filme para por aí.

Luís XVI e Maria Antonieta chegaram precocemente ao poder (ele aos 20, ela aos 18 de idade, embora houvessem casado 4 anos antes). "Poder" era algo que não desejavam; na verdade, foram surpreendidos pela morte de Luís XV. "Deus, guie-nos e proteja-nos. Somos jovens demais para reinar", disse Luís XVI ao ser entronizado. Maria Antonieta, por sua vez, foi odiada pela nobreza e pelo povo, por ser estrangeira, "a austríaca", a traidora da França, como as damas francesas se referiam a ela, desdenhosamente. Foi acusada de dilapidação do patrimônio público, foi acusada de influenciar o marido em prol do reino da Áustria, foi acusada de ter um caso com Fersen, um conde sueco. Foi vítima de inúmeros boatos. Assim como Luís XVI, foi vítima de inúmeras maquinações dos membros da corte. Viu o círculo fechar em torno de si. Foi Robespierre quem pediu sua cabeça. E ele a teve... Apesar de tudo, a consciência de Maria Antonieta permaneceu fiel ao marido, até sua morte. Na guilhotina.

Francisco Filardi

segunda-feira, 18 de julho de 2016

APRENDENDO A PENSAR, DE STEPHEN KANITZ





A maioria das aulas que tive foi expositiva. Um professor, normalmente mal pago e por isso mal-humorado, falava horas a fio, andando para lá e para cá. Parecia mais preocupado em lembrar a ordem exata de suas idéias do que em observar se estávamos entendendo o assunto ou não. 
 

Ensinavam as capitais do mundo, o nome dos ossos, dos elementos químicos, como calcular o ângulo de um triângulo e muitas outras informações que nunca usei na vida. Nossa obrigação era anotar o que o professor dizia e na prova final tínhamos de repetir o que havia sido dito. 
 

A prova final de uma escola brasileira perguntava recentemente se o país ao norte do Uzbequistão era o Cazaquistão ou o Tadjiquistão. Perguntava também o número de prótons do ferro. E ai de quem não soubesse todos os afluentes do Amazonas. Aprendi poucas coisas que uso até hoje. Teriam sido mais úteis aulas de culinária, nutrição e primeiros socorros do que latim, trigonometria e teoria dos conjuntos. 
 

Curiosamente não ensinamos nossos jovens a pensar. Gastamos horas e horas ensinando como os outros pensam ou como os outros solucionaram os problemas de sua época, mas não ensinamos nossos filhos a resolver os próprios problemas. 
 

Ensinamos como Keynes, Kaldor e Kalecki, economistas já falecidos, acharam soluções para um mundo sem computador nem internet. De tanto ensinar como os outros pensavam, quando aparece um problema novo no Brasil buscamos respostas antigas criadas no exterior. Nossos economistas implantaram no Brasil uma teoria americana de “inflation targeting”, como se os americanos fossem os grandes especialistas em inflação, e não nós, com os quarenta anos de experiência que temos. Deu no que está aí. De tanto estudar o que intelectuais estrangeiros pensam, não aprendemos a pensar. Pior, não acreditamos nos poucos brasileiros que pensam e pesquisam a realidade brasileira nem os ouvimos. Especialmente se eles ainda estiverem vivos. É sandice acreditar que intelectuais já mortos, que pensaram e resolveram os problemas de sua época, solucionarão problemas de hoje, que nem sequer imaginaram. Raramente ensinamos os nossos filhos a resolver problemas, a não ser algumas questões de matemática, que normalmente devem ser respondidas exatamente da forma e na seqüência que o professor quer.


Matemática, estatística, exposição de idéias e português obviamente são conhecimentos necessários, mas eu classificaria essas matérias como ferramentas para a solução de problemas, ferramentas que ajudam a pensar. Ou seja, elas são um meio, e não o objetivo do ensino. Considerar que o aluno está formado, simplesmente por ele ter sido capaz de repetir os feitos intelectuais das velhas gerações, é fugir da realidade.


Num mundo em que se fala de “mudanças constantes”, em que “nada será o mesmo”, em que o volume de informações “dobra a cada dezoito meses”, fica óbvio que ensinar fatos e teorias do passado se torna inútil e até contraproducente. No dia em que os alunos se formarem, mais de dois terços do que aprenderam estarão obsoletos. Sempre teremos problemas novos pela frente. Como iremos enfrentá-los depois de formados? Isso ninguém ensina.


Existem dezenas de cursos revolucionários que ensinam a pensar, mas que poucas escolas estão utilizando. São cursos que analisam problemas, incentivam a observação de dados originais e a discussão de alternativas, mas são poucas as escolas ou os professores no Brasil treinados nesse método do estudo de caso. 
 

Talvez por isso o Brasil não resolva seus inúmeros problemas. Talvez por isso estejamos acumulando problema após problema sem conseguir achar uma solução.

Na próxima vez em que seu professor começar a andar de um lado para o outro, pense no que você está perdendo. Poderia estar aprendendo a pensar.

Publicado na Revista Veja, Editora Abril, edição 1763, ano 35, nº 31, 7 de agosto de 2002, página 20.
Reprodução autorizada pelo autor, a quem Intervalo Cultural Rio muito agradece a gentileza.

Visitem a página do professor Stephen Kanitz.