quinta-feira, 18 de julho de 2019

MAMÃEZINHA QUERIDA: UMA POLÊMICA CERCADA DE INCERTEZAS


Baseado no livro de Christina Crawford, o filme Mamãezinha querida (“Mommie dearest”, 1981) retrata a difícil relação da autora com sua mãe adotiva, a atriz Joan Crawford, a quem descreve como amarga, manipuladora, alcoólatra, instável e obcecada por limpeza.



Publicado em maio de 1978, o livro propôs-se a demolir a imagem pública da atriz. Christina acusou a mãe de tirania e expôs os maus tratos sofridos por ela e seu irmão Christopher ainda na infância (no filme, protagonizado por Faye Dunaway, a cena mais lembrada é aquela em que Joan agride a filha, ainda menor de idade, com um cabide). Christina também acusou Joan de oportunismo, referindo-se ao casamento da atriz com Alfred Steele, CEO da Pepsi.



Ainda segundo Christina, Joan era ambiciosa e não tinha escrúpulos quando o assunto era manter-se em evidência. Dois fatos ilustram a opinião da autora: no primeiro, ocorrido em outubro de 1968, Joan, então com mais de 60 de idade, teria insistido com os produtores da rede CBS para substituir Christina em quatro episódios da série televisiva The secret storm1, enquanto esta se recuperava de uma doença (detalhe: a personagem em questão, Joan Borman Kane, tinha apenas 24 anos). No segundo (não citado no filme), Joan se oferecera para receber simbolicamente o Oscar de melhor atriz conquistado em 1963 pela colega Anne Bancroft por O milagre de Anne Sullivan (Joan o teria feito tão somente para irritar a rival Bette Davis, com quem contracenou e que concorreu na mesma categoria por O que terá acontecido a Baby Jane?).



A propósito, as filmagens de O que terá acontecido a Baby Jane? (1962), estando Joan e Davis sob contrato com a Warner, foram costuradas por tentativas mútuas de sabotagem, brigas nos bastidores, insinuações recíprocas e supostas agressões físicas2. Com a morte de Crawford, em maio de 1977, Bette Davis teria declarado: Não devemos dizer coisas ruins sobre os mortos; só coisas boas. Joan Crawford está morta. Que bom!”. Outra polêmica declaração atribuída a Davis: “Por que sou boa interpretando megeras? Porque acredito em não ser uma. Talvez seja esse o motivo pelo qual Miss Crawford sempre interpreta mocinhas.



Em relação ao livro de Christina Crawford, circula na internet outro depoimento atribuído a Bette Davis, sem citação à fonte, em que esta teria defendido a colega: Eu não era a maior fã de Miss Crawford, mas eu respeitei e sempre respeitarei seu talento. O que ela não merecia era esse livro detestável escrito por sua filha. […] Fazer isso com alguém que a salvou do orfanato, lares adotivos, ou sabe Deus o quê. Se ela não gostava da pessoa que escolheu para ser sua mãe, ela era adulta e podia escolher o caminho de sua própria vida. Eu me senti muito triste por Joan Crawford, mas eu sabia que ela não iria apreciar minha pena, porque essa é a última coisa que ela teria desejado, que alguém tivesse pena dela, especialmente eu. Agora posso entender o quão machucada Miss Crawford era. Bem, não, eu não posso. É como tentar imaginar como me sentiria se minha amada filha B. D. escrevesse um livro ruim sobre mim. Inimaginável. Sou grata por meus filhos e por saber que nunca iriam fazer qualquer coisa como o que a filha de Miss Crawford fez com ela.3



O relatado por Christina dividiu opiniões em Hollywood. Colegas de profissão, como Katharine Hepburn, Cesar Romero (o Coringa do seriado Batman dos anos 60), Marlene Dietrich e Douglas Fairbanks Jr. (ex-marido de Joan), para citar os mais conhecidos, saíram em defesa da atriz. Mas outras pessoas próximas de Joan, como Jeri Binder Smith (uma de suas secretárias) e o diretor Vincent Sherman - que a dirigiu em A dominadora (1950), Os desgraçados não choram (1950) e Adeus, meu amor (1951) -, declararam ter presenciado algum comportamento hostil da atriz em relação aos filhos (além de Christina, Joan adotou outras três crianças).



Não está claro no filme dirigido por Frank Perry se o comportamento agressivo de Joan era habitual ou se o roteiro (ou o livro) manipula momentos isolados de histeria da atriz. À época do lançamento do livro, Christina foi acusada de reinvindicar os holofotes para si, face a Joan estar morta há apenas dezessete meses. De qualquer forma, o filme Mamãezinha querida coloca uma interrogação no que entrega aos espectadores. Faye Dunaway, por sua vez, exagerou na composição da personagem e o filme não caiu nas graças de Hollywood, tendo recebido o troféu Framboesa de Ouro4, em 1982. A protagonista, anos depois, declarou ter se arrependido do papel. 

(Francisco Filardi)



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1 O filme apenas menciona o fato, não fazendo referência ao título da série.



2 Não se sabe até que ponto muito do que fora divulgado na imprensa, à época, teria sido obra de assessores de imprensa para alimentar e manter o fogo da rivalidade.



3 Em 1985, Barbara Davis Hyman, filha de Bette Davis, publicaria o livro My mother’s keeper (não publicado no Brasil), no qual descreve sua difícil relação com a mãe.



4 O Framboesa de Ouro é uma sátira ao Oscar; sua premiação é destinada aos piores filmes do ano.




P.S.: A série FEUD (2017), produzida pelo FOX Channel, é protagonizada por Jessica Lange (Joan Crawford) e Susan Sarandon (Bette Davis) e inspirada nas brigas das atrizes nos bastidores da produção de O que terá acontecido a Baby Jane?.