sábado, 10 de fevereiro de 2024

UMA OPINIÃO SOBRE O FIM DO HOME OFFICE (DE FRANCISCO FILARDI)

 
A revista Você S/A n° 306, de novembro/2023, destaca na matéria de capa a significativa redução do home office, em corporações de todo o mundo. 
 
Bruno Carbinatto, autor do texto, parte da inicial euforia dos executivos quanto aos números da produtividade no trabalho remoto, durante a pandemia, e elenca alguns benefícios da modalidade à distância, como a melhoria da saúde mental dos funcionários e a eliminação dos gastos com deslocamento etc, até culminar na paradoxal decisão recente das empresas de fazer seus funcionários retomarem as atividades laborais de forma presencial. 

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Uma opinião

O trabalho remoto (home office) foi a tábua de salvação de empresas privadas e órgãos públicos durante a pandemia da COVID-19, a partir do primeiro trimestre do ano de 2020. Naquele período, de confinamento forçado, empregados, funcionários, colaboradores, terceirizados e também servidores públicos passaram a realizar parte de suas atividades diárias no conforto de seus lares. Plataformas de videoconferências como Zoom, Google Meet e Microsoft Teams, que não eram ferramentas lá muito difundidas à época, passaram a ser acessadas em escala vertiginosa.

Decorrido pouco mais de um ano do início da pandemia - com a massa da população vacinada e a COVID sob controle -, o que se ouviu de estrategistas e administradores dos setores público e privado foram discursos inflamados acerca do crescimento da produtividade, durante o trabalho remoto. 

Mas o quê, de fato, contribuiu para essa percepção? Simples: intermediários foram eliminados dos processos de trabalho. O atendimento por telefone, um dos grandes desperdiçadores de tempo nos meios corporativos, tendeu a zero; frequentes interrupções para atendimento a demandas diversas (tanto do público interno quanto externo), idem; o tempo de realização das tarefas não foi dividido com atividades paralelas; e: conversas com colegas se limitaram a eventuais contatos por softwares como o Whatsapp e o Telegram. Ou seja, os trabalhadores passaram a focar tão somente no necessário e palavras como desempenho, entregas, eficiência, números, resultados e a já citada produtividade se viram turbinadas no home office.

Hoje, pouco mais de três anos após o início da pandemia, o discurso mudou e empresas e órgãos públicos vêm suprimindo o trabalho remoto, em todo o mundo. Isto porque prevalece nos meios corporativos e no setor público a mentalidade dos séculos XVIII e XIX na relação patrão-empregado: o confiar desconfiando. Uma opção infeliz.

A palavra da moda, no retorno ao trabalho presencial, passou a ser engajamento, termo pomposo para comprometimento. De modo equivocado, empresas e órgãos públicos cravam que o trabalho remoto, apesar da significativa alavancagem na produtividade durante o home office, afetou o engajamento. Como extensão disso, seguiu-se a ilusão de que a participação ativa dos subordinados, sobretudo dos níveis operacionais, pode ser estimulada pela execução de (mais) tarefas.

Se há resultados, como pode não haver, ou haver baixo engajamento? Temos aí um paradoxo. A despeito disso, a luta de quem está no andar de cima passou a ser como propagar o amplo entusiasmo esperado dos subordinados (subentendendo-se aí que aqueles que estão em posições de comando, nos diversos níveis, já devem estar engajados) e arrebatá-los em vibração uníssona.

Entusiasmo significa encher-se da alegria divina. E engajamento resulta da adesão espontânea aos líderes. Para que isso ocorra, óbvio, é preciso haver a figura do líder autêntico. E o X da questão é que líderes autênticos são profissionais raros, raríssimos.

Comprometimento se conquista com diálogo aberto, franco, direto (sem enrolação ou cartas sob a mesa); e sólida confiança recíproca envolvendo administradores e administrados, prática esta não cultivada no cotidiano de empresas e órgãos públicos.

Onde isso impacta? De forma direta, no clima organizacional. É fácil de ver: está nos resultados das pesquisas internas (que, via de regra, constatam não haver clima de baixo para cima, dos subordinados em relação aos administradores).

Então, de posse desses dados, o que a alta administração faz para remediar as questões aparentes? Pouco, quase nada (de forma curiosa, as pesquisas acenam também os pontos críticos que a administração não deseja atacar). Mas esta ainda não é a questão. A pergunta crucial, a que empresas e órgãos públicos devem responder, é: estamos trabalhando bem? Decerto, a resposta será: NÃO.

Falta às empresas do setor privado um olhar cuidadoso sobre o seu real patrimônio: funcionários, terceirizados e colaboradores; visar ao lucro, que é sua razão de existir, sem acenar o manifesto desprezo por aqueles que fazem a grande roda corporativa girar.

Quanto aos órgãos públicos, estes vêm se valendo de práticas e técnicas administrativas do setor privado, voltadas exclusivamente para números (portanto, rezam da mesma cartilha); descuidam de seu corpo efetivo, tendem a confundir eficácia com rapidez, fazem uso de recursos materiais e sistemas ineficientes (sucateados), e a imagem pela qual zelam perante à sociedade não encontra correspondência em seu âmbito interno.

Tabelas, relatórios, estatísticas, gráficos, índices, custos e as questionáveis qualidade e transparência são termômetros usuais. Tudo precisa de ser medido. E controlado. O problema é que quando se controla demais, algo está errado. E tudo o que envolve números pode ser manipulado. Quando se fala com muita ênfase em números, é de se notar que pessoas - o genuíno patrimônio de toda e qualquer empresa privada ou órgão público, conforme citado - são desconsideradas. E decisões sem levar em conta o fator humano resultam em desastre. Pior: em ressentimento. Eis o que há de mais nocivo nos meios corporativos. Raiva é pontual. Quando sentimos raiva de alguém, sacudimos a pessoa, damos uma porrada nela e fim de conversa: tudo acaba aí. Já ressentimento… é algo que mastigamos, ruminamos lentamente mas não digerimos. E isso nos faz um mal tremendo.

É notório o fato de que algumas empresas e órgãos públicos são gigantescos paquidermes, com graves problemas nas rótulas e, portanto, sinalizam dificuldades de locomoção. Recusam-se terminantemente a remediar seus entraves burocráticos, a simplificar métodos e processos de trabalho, a aperfeiçoar seus canais de comunicação (internos e externos), a eliminar o que é excessivo, ou mesmo inservível, e a dispor da figura do facilitador, para assegurar a eficácia das tomadas de decisão, agregar valor e fazer o todo prosperar.

Por fim, nestes tempos de acelerado desenvolvimento tecnológico, já deveríamos ter iniciado conversa sobre os impactos das inteligências artificiais nos setores público e privado, em nosso trabalho e, sobretudo, em nossos empregos. Nos tornaremos obsoletos? A pergunta nos está à porta e precisamos de ser rápidos na resposta. Ou pagamos para ver ou apostamos em quem fechará a porta atrás de si, pela última vez.

É o que pressente este inconformado dinossauro.

(de Francisco Filardi)

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