Sulinelson passou dias ruminando a
frase: qualquer um
pode cozinhar. O lema do
chef
Gusteau, da animação Ratattouille,
caiu como uma bomba em seu cérebro. Nos campos da imaginação e da
arte tudo era possível, mas - pensava - qualquer um, de fato,
poderia cozinhar? Embora amasse gastronomia e nutrisse genuína
admiração por quem preparasse o próprio alimento, Sulinelson
jamais estivera diante de um fogão (não mais que para fritar ovos
ou aquecer água) e não se mostrava seguro para ensaiar os primeiros
passos. Por que deveria acreditar naquilo? Afinal, Gusteau era tão
somente personagem de uma ficção. Mas a ideia não o deixaria em
paz. Depois de esta muito martelar-lhe o juízo, decidira
aventurar-se.
Sulinelson buscava receitas em livros
e na internet. Fazia o básico, de acordo com o figurino. Acreditava
em que o fazer simples seria o melhor tempero. E até que, para um
cozinheiro
de primeiro fogão,
sua comida era bem razoável. Dava para orgulhar-se de que não mais
morreria de fome.
Mas a história que narramos a seguir ocorreu quando o novato já
tinha alguns quilômetros em seu currículo.
Todos sabemos que experiências gastronômicas nem sempre são bem
sucedidas, apesar da boa intenção de realizá-las, o que vale para
profissionais e para iniciantes. Com Sulinelson, não seria
diferente.
Naquele início de noite, Suli acabara
de retornar do mercado. Comprara alguns itens para o habitual lanche
noturno e um punhado de vagens que, com o feijão, o arroz, o frango
e a farofa, já prontos na geladeira, completaria o cardápio
da semana. Guardou as compras e pôs-se a preparar as leguminosas.
Lavou-as, secou-as, descascou uma por uma, temperou-as. E acionou o
timer
do fogão. Enquanto as vagens cozinhavam, preparou um sanduíche no
pão de forma, recheado com presunto e queijo minas, acompanhado por
uma xícara com café ao leite. E dirigiu-se ao escritório, para
escrever e ouvir música.
Não muito tempo depois, entretido com
o trabalho, Sulinelson sentiu um cheiro de comida queimada a adentrar
a janela do escritório. Vinha de um apartamento próximo, algum
vizinho cometera o
pecado do esquecimento, estava convicto.
E perguntou para si mesmo: - De
onde vem esse cheiro?
Levaria minutos ainda para perceber
que a música ambiente não o permitira ouvir o timer
do fogão. Foi quando se deu conta: disparou num galope em direção
à cozinha e, lá chegando, deparou com a cena terrível: o fundo da
panela estorricara num negrume deplorável; apenas seis minúsculos
pedaços daquele punhado de vagens permaneceram intocados pelo breu,
embora contaminados pela fumaça tóxica. Nada ali seria aproveitado.
As
vagens, assim como
a panela,
foram involuntariamente flambadas,
para a frustração de um pobre Sulinelson desejoso de saboreá-las.
É claro que a carreira
gastronômica de Suli não
parou por aí. Preparou muitos outros pratos, para si e para a
família. Vagens, inclusive. Mas a receita
de como flambá-las,
não a ensinou
a quem quer que seja. Guardou a vergonha para si, num segredo, a
sete chaves. Melhor assim.
(Francisco Filardi)
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