segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

ELES TÊM MUITO O QUE APRENDER? SÉRIO?!



MAMÃE, EU VOU JOGAR NO TAITI!

A Copa das Confederações realizada no Brasil, de 15 a 30 de junho de 2013, recebeu, além da seleção brasileira (participante na qualidade de anfitriã do torneio), as seleções da Espanha, do Japão, do México, do Uruguai, do Taiti, da Itália e da Nigéria, campeãs em suas respectivas Confederações (regiões ou continentes).

A seleção brasileira ficou com o título, derrotando na final a Espanha, campeã do Mundo de 2010, pelo placar de 3 a 0. Mas o fato mais curioso e interessante dessa competição se deu ao término da fase de classificação do grupo B, em que figurava o modesto selecionado do Taiti e as seleções da Espanha, do Uruguai e da Nigéria. O Taiti, equipe amadora* campeã da Copa das Nações da OFC em 2012, chegou ao Brasil como representante da Oceania, não obtendo êxito em sua participação: foi derrotado na estreia pela Nigéria por 6 x 1 (no dia 17/06, no Mineirão, em Belo Horizonte); para a Espanha, por 10 x 0 (no dia 20/06, no Maracanã, Rio de Janeiro); e, finalmente, para o Uruguai, por 8 x 0 (em 23/06, na Arena Pernambuco, em Recife).

Apesar das goleadas sofridas e da inevitável desclassificação, a seleção do Taiti não apelou para o antijogo, ou seja, não agrediu os adversários com faltas desleais ou desnecessárias. Para ilustrar, em toda a competição foram distribuídos 51 cartões, sendo 18 amarelos e 33 vermelhos, sendo o número de cartões vermelhos elevado para um torneio com apenas 10 jogos (3 partidas classificatórias em cada um dos grupos, A e B; 2 partidas semifinais, a final e a disputa de terceira e quarta colocações). A seleção do Taiti recebeu apenas dois cartões amarelos (Ludivion e Chong Hue) e um vermelho (Ludivion, em decorrência do segundo cartão amarelo), todos na última partida, diante do Uruguai, mas é bom que se observe: as faltas cometidas não se deram por comportamento violento e, sim, por circunstância normal de jogo. Pela postura da equipe em campo, a participação do Taiti no torneio angariou a simpatia dos torcedores brasileiros e, sem dúvida, foi uma das maiores demonstrações de fair play já vistas em terras tupiniquins.

Triste mesmo foi ouvir de um conhecido narrador do grupo Globo/SporTV o comentário de que “Eles (o Taiti) ainda têm muito o que aprender”. Como assim, “eles” têm que aprender? E quanto a nós? Lembram o que os jogadores da seleção brasileira fizeram no Estádio do Mineirão em 08/07/2014, depois de tomarem uma ensaboada de 7 x 1, da Alemanha, na Copa do Mundo sediada no país? Pois é. A pergunta é: por que razão os jogadores brasileiros não reconheceram a superioridade alemã e cumprimentaram seus adversários? Não nos caberia reconhecer (mesmo) o fiasco e demonstrar um pouco da nossa “boa educação”? Ou só nos devemos dar contar da nossa (discutível) educação quando vencemos?

A questão tem menos a ver com esporte e mais a ver com a orientação que se inicia no berço e é delineada e costurada ao longo da nossa existência, até o fim de nossos dias. No caso da educação no esporte, assim como em outras esferas do relacionamento humano, a ideia do “vencer, vencer, vencer” (sem qualquer relação com o conhecido verso do hino do Clube de Regatas do Flamengo) nos passa a enganosa ideia de que ser o primeiro é a única condição, a única premissa e o que vem abaixo disso não nos serve e, portanto, não deve ser valorizado. Mas esse pensamento é falho, não tardando aos mais atentos perceber que nossa educação (não só) para o esporte é altamente deficitária. E isso não é de hoje. A própria Copa do Mundo de Futebol, ao longo de sua história, desde a sua primeira edição, disputada no Uruguai, em 1930, contém relatos de violência em campo (e fora deste, claro), partidas com resultados duvidosos, atuações questionáveis de árbitros e conquistas ilegítimas (considerando-se a ética, a prática saudável do desporto e o princípio da igualdade de condições).

O fato é que necessitamos de rever urgentemente as nossas escalas de valor. No Brasil, há uma grave tendência a invertermos (ou subvertermos) a ordem natural do que é prioritário ou relevante.

Obrigado, Taiti, por nos lembrar disto.

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* Na seleção do Taiti, apenas o atacante Marama Vahirua era jogador profissional, defendendo o Pantharakikos F.C., clube da cidade de Komotini, fundado em 1963 na região da Trácia, na Grécia.

(Francisco Filardi)

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