MAMÃE, EU VOU JOGAR NO TAITI!
A Copa das Confederações realizada
no Brasil, de 15 a 30 de junho de 2013, recebeu, além da seleção
brasileira (participante na qualidade de anfitriã do torneio), as
seleções da Espanha, do Japão, do México, do Uruguai, do Taiti,
da Itália e da Nigéria, campeãs em suas respectivas Confederações
(regiões ou continentes).
A seleção brasileira ficou com o
título, derrotando na final a Espanha, campeã do Mundo de 2010,
pelo placar de 3 a 0. Mas o fato mais curioso e interessante dessa
competição se deu ao término da fase de classificação do grupo
B, em que figurava o modesto selecionado do Taiti e as seleções da
Espanha, do Uruguai e da Nigéria. O Taiti, equipe amadora* campeã
da Copa das Nações da OFC em 2012, chegou ao Brasil como
representante da Oceania, não obtendo êxito em sua participação:
foi derrotado na estreia pela Nigéria por 6 x 1 (no dia 17/06, no
Mineirão, em Belo Horizonte); para a Espanha, por 10 x 0 (no dia
20/06, no Maracanã, Rio de Janeiro); e, finalmente, para o Uruguai,
por 8 x 0 (em 23/06, na Arena Pernambuco, em Recife).
Apesar das goleadas sofridas e da
inevitável desclassificação, a seleção do Taiti não apelou para
o antijogo, ou seja, não agrediu os adversários com faltas desleais
ou desnecessárias. Para ilustrar, em toda a competição foram
distribuídos 51 cartões, sendo 18 amarelos e 33 vermelhos, sendo o
número de cartões vermelhos elevado para um torneio com apenas 10
jogos (3 partidas classificatórias em cada um dos grupos, A e B; 2
partidas semifinais, a final e a disputa de terceira e quarta
colocações). A seleção do Taiti recebeu apenas dois cartões
amarelos (Ludivion e Chong Hue) e um vermelho (Ludivion, em
decorrência do segundo cartão amarelo), todos na última partida,
diante do Uruguai, mas é bom que se observe: as faltas cometidas não
se deram por comportamento violento e, sim, por circunstância normal
de jogo. Pela postura da equipe em campo, a participação do Taiti
no torneio angariou a simpatia dos torcedores brasileiros e, sem
dúvida, foi uma das maiores demonstrações de fair play já
vistas em terras tupiniquins.
Triste mesmo foi ouvir de um conhecido
narrador do grupo Globo/SporTV o comentário de que “Eles (o Taiti)
ainda têm muito o que aprender”. Como assim, “eles” têm que
aprender? E quanto a nós? Lembram o que os jogadores da seleção
brasileira fizeram no Estádio do Mineirão em 08/07/2014, depois de
tomarem uma ensaboada de 7 x 1, da Alemanha, na Copa do Mundo sediada
no país? Pois é. A pergunta é: por que razão os jogadores
brasileiros não reconheceram a superioridade alemã e cumprimentaram
seus adversários? Não nos caberia reconhecer (mesmo) o fiasco e
demonstrar um pouco da nossa “boa educação”? Ou só nos
devemos dar contar da nossa (discutível) educação quando vencemos?
A questão tem menos a ver com esporte
e mais a ver com a orientação que se inicia no berço e é
delineada e costurada ao longo da nossa existência, até o fim de
nossos dias. No caso da educação no esporte, assim como em
outras esferas do relacionamento humano, a ideia do “vencer,
vencer, vencer” (sem qualquer relação com o conhecido verso do
hino do Clube de Regatas do Flamengo) nos passa a enganosa ideia de
que ser o primeiro é a única condição, a única premissa e o que
vem abaixo disso não nos serve e, portanto, não deve ser
valorizado. Mas esse pensamento é falho, não tardando aos mais
atentos perceber que nossa educação (não só) para o
esporte é altamente deficitária. E isso não é de hoje. A
própria Copa do Mundo de Futebol, ao longo de sua história, desde a
sua primeira edição, disputada no Uruguai, em 1930, contém relatos
de violência em campo (e fora deste, claro), partidas com resultados
duvidosos, atuações questionáveis de árbitros e conquistas
ilegítimas (considerando-se a ética, a prática saudável do
desporto e o princípio da igualdade de condições).
O fato é que necessitamos de rever
urgentemente as nossas escalas de valor. No Brasil, há uma grave
tendência a invertermos (ou subvertermos) a ordem natural do que é
prioritário ou relevante.
Obrigado, Taiti, por nos lembrar
disto.
__________
* Na seleção do Taiti, apenas o
atacante Marama Vahirua era jogador profissional, defendendo o
Pantharakikos F.C., clube da cidade de Komotini, fundado em 1963 na
região da Trácia, na Grécia.
(Francisco Filardi)