Baseado no livro de Christina Crawford, o filme Mamãezinha
querida (“Mommie dearest”, 1981) retrata a difícil relação
da autora com sua mãe adotiva, a atriz Joan Crawford, a quem
descreve como amarga, manipuladora, alcoólatra, instável e obcecada
por limpeza.
Publicado em maio de 1978, o livro propôs-se a demolir a imagem
pública da atriz. Christina acusou a mãe de tirania e expôs os
maus tratos sofridos por ela e seu irmão Christopher ainda na
infância (no filme, protagonizado por Faye Dunaway, a cena mais
lembrada é aquela em que Joan agride a filha, ainda menor de idade,
com um cabide). Christina também acusou Joan de oportunismo,
referindo-se ao casamento da atriz com Alfred Steele, CEO da Pepsi.
Ainda segundo Christina, Joan era ambiciosa e não tinha escrúpulos
quando o assunto era manter-se em evidência. Dois fatos
ilustram a opinião da autora: no primeiro, ocorrido em outubro de
1968, Joan, então com mais de 60 de idade, teria insistido com os
produtores da rede CBS para substituir Christina em quatro episódios
da série televisiva The secret storm1,
enquanto esta se recuperava de uma doença (detalhe: a personagem em
questão, Joan Borman Kane, tinha apenas 24 anos). No segundo (não
citado no filme), Joan se oferecera para receber simbolicamente o
Oscar de melhor atriz conquistado em 1963 pela colega Anne Bancroft
por O milagre de Anne Sullivan (Joan o teria feito tão somente
para irritar a rival Bette Davis, com quem contracenou e que
concorreu na mesma categoria por O que terá acontecido a Baby
Jane?).
A propósito, as filmagens de O que terá acontecido a Baby Jane?
(1962), estando Joan e Davis sob contrato com a Warner, foram
costuradas por tentativas mútuas de sabotagem, brigas nos
bastidores, insinuações recíprocas e supostas agressões físicas2.
Com a morte de Crawford, em maio de 1977, Bette Davis teria
declarado: Não devemos dizer coisas ruins sobre os mortos; só
coisas boas. Joan Crawford está morta. Que bom!”. Outra
polêmica declaração atribuída a Davis: “Por que sou boa
interpretando megeras? Porque acredito em não ser uma. Talvez seja
esse o motivo pelo qual Miss Crawford sempre interpreta mocinhas.
Em relação ao livro de Christina Crawford, circula na internet
outro depoimento atribuído a Bette Davis, sem citação à fonte, em
que esta teria defendido a colega: Eu não era a maior fã
de Miss Crawford, mas eu respeitei e sempre respeitarei seu talento.
O que ela não merecia era esse livro detestável escrito por sua
filha. […] Fazer isso com alguém que a salvou do orfanato, lares
adotivos, ou sabe Deus o quê. Se ela não gostava da pessoa que
escolheu para ser sua mãe, ela era adulta e podia escolher o caminho
de sua própria vida. Eu me senti muito triste por Joan Crawford, mas
eu sabia que ela não iria apreciar minha pena, porque essa é a
última coisa que ela teria desejado, que alguém tivesse pena dela,
especialmente eu. Agora posso entender o quão machucada Miss
Crawford era. Bem, não, eu não posso. É como tentar imaginar como
me sentiria se minha amada filha B. D. escrevesse um livro ruim sobre
mim. Inimaginável. Sou grata por meus filhos e por saber que nunca
iriam fazer qualquer coisa como o que a filha de Miss Crawford fez
com ela.3
O relatado por Christina dividiu opiniões em Hollywood. Colegas de
profissão, como Katharine Hepburn, Cesar Romero (o Coringa do
seriado Batman dos anos 60), Marlene Dietrich e Douglas Fairbanks Jr.
(ex-marido de Joan), para citar os mais conhecidos, saíram em defesa
da atriz. Mas outras pessoas próximas de Joan, como Jeri Binder
Smith (uma de suas secretárias) e o diretor Vincent Sherman - que a
dirigiu em A dominadora (1950), Os desgraçados não choram
(1950) e Adeus, meu amor (1951) -, declararam ter presenciado
algum comportamento hostil da atriz em relação aos filhos (além de
Christina, Joan adotou outras três crianças).
Não está claro no filme dirigido por Frank Perry se o comportamento
agressivo de Joan era habitual ou se o roteiro (ou o livro) manipula
momentos isolados de histeria da atriz. À época do lançamento do
livro, Christina foi acusada de reinvindicar os holofotes para si,
face a Joan estar morta há apenas dezessete meses. De qualquer
forma, o filme Mamãezinha querida coloca uma interrogação no
que entrega aos espectadores. Faye Dunaway, por sua vez, exagerou na
composição da personagem e o filme não caiu nas graças de
Hollywood, tendo recebido o troféu Framboesa de Ouro4,
em 1982. A protagonista, anos depois, declarou ter se arrependido do
papel.
(Francisco Filardi)
___________
1 O filme apenas menciona o fato, não fazendo
referência ao título da série.
2 Não se sabe até que ponto muito do que fora
divulgado na imprensa, à época, teria sido obra de assessores de
imprensa para alimentar e manter o fogo da rivalidade.
3 Em 1985, Barbara Davis Hyman, filha de Bette
Davis, publicaria o livro My mother’s keeper (não publicado
no Brasil), no qual descreve sua difícil relação com a mãe.
4 O Framboesa de Ouro é uma sátira ao Oscar; sua
premiação é destinada aos piores filmes do ano.
P.S.: A série FEUD (2017), produzida pelo FOX Channel, é
protagonizada por Jessica Lange (Joan Crawford) e Susan Sarandon
(Bette Davis) e inspirada nas brigas das atrizes nos bastidores da
produção de O que terá acontecido a Baby Jane?.
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