Combinaram o chá na casa da Janota
para às 16h de uma quarta-feira. Eram as tais amigas de Madame
Filardi que se reuniam, como de costume, para degustar uma generosa
variedade de bolos, doces e biscoitos finos (além dos chás, claro),
enquanto se dedicavam ao esporte mais praticado em terras
tupiniquins: a maledicência.
Essa versão do clube
da Luluzinha para sexagenárias não se tratava de um
grupo exclusivo, é bom que se diga. Dessas reuniões também
participavam eventuais convidadas, por indicação de alguma
veterana. Ou seja, as novatas eram escolhidas a dedo (sem
trocadilho). Pelo menos, era o que pensavam até a Soninha dar as
caras por lá. A mais nova amiga
do peito da Matilda (seja lá o que isso queira dizer)
andava na casa dos quarenta; de aparência refinada e um tanto
esnobe, tinha o jeito afetado por uns cacoetes tais que logo a
colocaram na alça de mira de Madame Filardi - esta abençoada com o
talento incomum de farejar nos ambientes o indiscreto aroma da
frescura.
A graça dessas reuniões estava no
fato de que maridos e ex-maridos eram sempre elevados à solene
condição de judas da vez
- e na maior cara de pau, pois boa parte desses digníssimos
senhores já havia sido despachada para o outro mundo. Mas a fofoca
das madames corria frouxa como se o frescor de novidade ainda
pairasse por ali. A turma na casa dos quarenta (caso da Soninha) não
negava fogo. Ao contrário, até puxava o coro, no maior despudor.
Era um tal de fulano fez isso, beltrano fez aquilo etc tal. Era
assunto que não acabava.
Lá pela terceira ou quarta aparição
da Soninha, a turma ficou sabendo que seu marido (é, ela tinha
marido) era gerente na administração superior de uma multinacional,
algo raríssimo entre as frequentadoras habituais, e o Ari Anacleto -
eis o nome - não tardou a tornar-se o hit
do momento no clube de fofocas da Janota.
Tudo ia bem, com uma conversa aqui,
outra ali, até que o clima azedou. Ninguém soube dizer, mas o
despretensioso bate-papo, sobre trabalho doméstico, desaguou num
tremendo bafafá. E foi a Janota quem veio com a corda:
- Acho
um absurdo esse negócio de mulher não trabalhar fora. No meu tempo
(havia muito, ela quis dizer), eu dava duro, chegava junto do meu
saudoso Arlindo. E arrematou: -
Se a mulher não
ajudar o marido e não trouxer um dinheirinho para casa,
é certo que o
casamento voará
pela janela!
Foi aí que a Soninha, entrou com a
caçamba. Indignou-se de tal modo como se a assertiva da Janota
fosse a coisa mais absurda que já ouvira. Orgulhosíssima, a novata
empertigou-se na cadeira, com o nariz empinado, ergueu a mão direita
sobre o peito, à altura do coração, e, batendo sobre este repetida
e freneticamente, soltou essa:
- Pois fiquem sabendo que o
MEU MARIDO (com
ênfase no MEU)
- e deu uma pausa - o MEU MARIDO ME SUSTENTA! (dessa
vez, a ênfase foi no MARIDO).
À essa altura, Madame Filardi, que se
deliciava com um biscoitinho amanteigado, engasgou-se com o que
ouvira e, qual um avestruz, já procurava um buraco qualquer onde
pudesse meter a cabeça. As irmãs Liduína e Lidoca, sabedoras de
onde ia dar aquilo, tomaram a Madame pelos braços e conduziram-na ao
toilette, onde esta pôde aliviar-se desavergonhadamente numa sonora
gargalhada (abafada por uma toalha de rosto, o que, convém dizer,
não adiantou muito). Soninha só não ouviu o descaramento da Madame
porque Janota morava em Copacabana, num desses apartamentos antigos
em que o banheiro ficava a léguas da sala de estar.
Já Madame Ágata, que andava metida
em assuntos de ocultismo e de espiritualidade, apelou para o Além em
busca de algo que lhe pudesse esclarecer o que andava pela cachola da
Soninha.
Ofendida, a novata partiu para um
desaforado bate-boca com a Janota, logo apartadas pela turma do
deixa disso. Ainda assim, a coisa não acabou bem. Depois de
ter a sua honra maculada, a birrenta Soninha foi-se embora,
batendo a porta atrás de si. E nunca mais se soube dela, para o
alívio geral da turma. Nem mesmo a Matilda, agora ex-amiga do
peito, soube do seu paradeiro.
Como as modernosas sexagenárias não
perdiam a viagem, desde então as amigas passaram a referir-se à
desafeta pela alcunha MEU
MARIDO. A Soninha, é claro, não sabe. Ainda.
(Francisco Filardi)