Rondon estagiava, há pouco mais de um
ano, em uma agência bancária no centro da cidade. No posto de
assistente da gerência, sua atribuição básica era municiar o
comitê com os relatórios do dia e registrar no sistema as
contratações e as renovações dos investimentos da clientela:
CDB, RDB, poupança, fundos e por aí vai.
O rapazote era até responsável para
a idade (tinha vinte e três anos): demonstrava interesse pelo
trabalho, cumpria com o seu dever e era assíduo, o que agradava ao
corpo gerencial. Era bem humorado e cortês com a clientela, por isso
não tardou em conquistar a simpatia dos colegas.
Rondon, como se sabe, é um sobrenome
raro. Na agência em que o moço trabalhava, ninguém conhecera um
homônimo além do Marechal Cândido Mariano da Silva, notável
militar e sertanista brasileiro, criador do Serviço de Proteção ao
Índio. Mas logo no início da carreira do estagiário, um gerente
gaiato tratou de vinculá-lo ao histórico compatriota,
concedendo-lhe a alcunha de marechal.
O apelido (mais zombeteiro que carinhoso) pegou, apesar da patente
às avessas desse marechal
estagiário que recebia
ordens.
Pois bem, em certa manhã Rondon não
compareceu ao serviço. Só no início da tarde um colega da agência
ficara sabendo que o louvado estagiário andava enfermo.
Diagnóstico: virose, doença genérica inqualificável (já que
ninguém sabe do que se trata). A de Rondon era daquelas brabas, que
deixa a vítima em estado febril, com as pernas bambas e sem arredar
os pés das cercanias do banheiro. Haja soro caseiro! Repouso!
Paracetamol! A coisa foi tão feia que a convalescença do rapaz
duraria ainda mais cinco dias.
Retornando ao serviço, Rondon
apresentou o atestado médico ao gerente geral, para as providências
de praxe. O documento, em impresso próprio, trazia endereço,
telefones, e-mail, bem como o carimbo, o CRM e a assinatura da
profissional que o atendera. Tudo dentro dos conformes, se não
fosse por um detalhe: a médica atestante era ginecologista!
Explica-se: uma tia do estagiário, graduada em medicina e
especializada na área, prestara atendimento de urgência na
residência do rapaz, já que este, enfraquecido pela doença, não
tinha condição de sair. Prescrevera-lhe a medicação e fornecera
ao sobrinho o atestado com o carimbo de costume!
Ao receber o documento, o gerentão
segurou o riso, transformado em frouxa gargalhada assim que o
estagiário lhe deu as costas. A informação, a princípio, fora
repassada ao corpo de gerentes, mas logo chegaria também ao
conhecimento de escriturários, caixas e chefes de serviço, no
melhor estilo escravos
de Jó. De quando em
quando, explodiam entre os funcionários sonoras gargalhadas, face a
reprodução da história do atestado. A essa altura, o estagiário
não entendia por que seus colegas demonstravam tamanha felicidade,
justo numa segunda-feira. É claro que confidenciaram ao rapaz o
motivo da tal felicidade.
Ele, que não percebera o engano da tia, gargalhou também.
E o estagiário boa praça permaneceu
querido pelos colegas. Agora, sob a alcunha de... marechala.
(Francisco Filardi - finalizado a 20.04.2016)
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