Venceu
a porta giratória da agência bancária, dirigiu-se à gerência e
aguardou o atendimento. Enquanto funcionários orientavam os
clientes, o gerente geral ia nervoso, para lá e para cá, com
relatórios e anotações, até que perguntou, não a Dario mas ao
cliente da mesa ao lado, o que desejava.
- O
saldo desta conta, por favor. - disse o homem, ao tempo em que
entregava ao titular da agência o número da conta num pedaço de
papel.
O
cliente tinha de fato ótima aparência: trajava um bem cortado terno
italiano, o par de sapatos em cromo alemão e, no pescoço, uma
discreta gravata em seda francesa. Do bolso do paletó destacavam-se
a ponta de um lenço também em seda e os óculos Dolce &
Gabbana. No chão, ao lado da cadeira, complementava o harmonioso
conjunto uma indefectível maleta executiva em couro, na cor preta.
E exalava um perfume que invadia as narinas dos funcionários e da
clientela tornando o ar quase tóxico.
Os gerentes de contas ignoraram Dario que, por sua vez, vestia-se de
modo informal, quase indecente: bermuda jeans surrada, sandálias
havaianas, camisa de malha de gola redonda e dois cordões prateados
de fina espessura para fora da camisa. Em um deles, trazia um
discreto crucifixo. Seu único luxo aparente era um relógio de
fabricação suíça, herdado do avô há uns vinte anos. E o mimo
funcionava de modo impecável, é bom que se diga. Foi uma das
atendentes quem se aproximou e perguntou-lhe o que desejava.
- O saldo desta conta, por favor. - disse, oferecendo à moça o
papel com o número da conta.
E lá foi a atendente para a mesma sala onde se encontrava seu colega
gerente, o que atendera ao elegante cidadão da mesa ao lado. Não
demorou muito, o figurão da agência retornou com os saldos de ambos
os clientes e todo solícito, dirigiu-se ao “seu” cliente
engravatado:
- Sr. Dario Almeida?
- Pois não. - acusou o suposto pobretão, de jeans surrados e
sandálias havaianas.
O gerente geral arregalou-se, olhou
novamente para a papeleta com o saldo da conta e tornou a olhar para
Dario, já percebendo um fio fino e gelado a percorrer-lhe o dorso.
O saldo da conta que trazia anotado era mais do que extraordinário:
era excepcional. Uma daquelas quantias com que o trabalhador médio
não sonharia ganhar, ainda que acumulasse o seu digno salário pelas
próximas quatro reencarnações (pelo menos). Ainda assim, de posse
da outra papeleta de saldo, o gerente geral confirmou com o cidadão
engravatado, para ter certeza daquilo que seus ouvidos se recusavam a
ouvir:
- José Fontoura?
- Isso mesmo. - respondeu o advogado, com um sorriso digno de
comercial de dentifrício.
Como num passe de mágica, o gerente geral deixou o tal do Fontoura
“no vácuo” e mudou do vinagre para o vinho em relação a Dario.
Sentou-se diante do magnânimo cliente cheio de firulas, pedindo à
atendente que lhes trouxesse café, água, sucos, balinhas.
Perguntou a Dario o que ele desejava e o cliente não pestanejou:
- Desejo lhe comunicar que estou encerrando minhas contas. Agora.
- Mas por quê?! - retrucou o gerente.
- Por uma razão simples: o senhor e os seus colegas me estão
discriminado pela minha aparência. Se ando pelas ruas desta forma é
para não chamar a atenção, afinal sou empresário e não me posso
colocar em situação de risco. Com a sua atitude, seu banco me deu
prova de que não está preparado para lidar com a clientela.
O gerentão bem que tentou, mas Dario foi irredutível. A
concorrência, por sua vez, sorriu de orelha a orelha, porque Dario
levou embora não só a sua conta pessoal, mas a da empresa.
Para dar tratos a bola: o outro cliente, o advogado José Fontoura,
estava com o saldo negativado em mais de cinco mil merrecas. Quanto
ao gerente geral, o tal que ignorou Dario, este foi parar no olho da
rua, pelo enorme prejuízo causado à instituição bancária.
Moral da história: quem vê a roupa não vê o saldo da conta
bancária.
(de Francisco Filardi)