quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

"AFASTE DE MIM ESSE CÁLICE...", O QUE NÃO SE DEVE FAZER NO PRIMEIRO ENCONTRO...


AFASTE DE MIM ESSE CÁLICE...

(de Francisco Filardi)


Conheceram-se num chat, em uma rede social. Descobriram-se ao acaso, numa dessas madrugadas despretensiosas em que o desinteresse já quase os vencia pelo cansaço. Afinal, não é fácil encontrar alguém na internet com quem valha a pena conversar. Mas Val se encantara desde as primeiras linhas. Rodrigo era, de fato, um homem raro: educado, gentil, incapaz de uma indelicadeza. E redigia num português impecável, o que Val achava o máximo. Ela, graduada em Letras, valorizava o bom texto, a boa pena. Era espontânea, direta, sincera e detentora de um carisma ímpar, o que fisgou Rodrigo logo de cara.



Dois meses se passaram, desde a primeira noite. “Bisbilhotavam-se”, num prazer genuíno, para conhecer melhor o outro e identificar preferências comuns. Até que agendaram um encontro. Val não se conteve. Desde então, ansiosa que era, ia do quarto para a sala, da sala para a varanda, da varanda para a cozinha. E refazia o percurso, inúmeras vezes! Falava sozinha. Contava as horas no relógio, os dias no calendário. Imaginava o que ambos diriam nesse primeiro contato presencial. Era como se um filme de amor inocente passasse por sua cabeça. Ensaiara até as falas! Na casa dos trinta, Val sentia-se boba, ria-se do seu ar adolescente. Mas estava feliz, sentia-se mulher. Por isso, não economizou: comprou roupa, um par de sapatos da moda e um perfume de grife. Rodrigo, por sua vez, andava com o coração aos pulos e também não desejava fazer feio. Longe dele cometer algum vacilo. Queria mesmo impressionar a amada com sua boa postura, educação e aparência. E tratou de retirar do armário a calça jeans nova que reservara para ocasião especial. Também tinha guardados um par de meias e sapatos intocados. Comprou tão somente uma camisa discreta, de bom tecido, e tudo estava pronto.



Combinaram numa sexta, à noite, em frente a um conhecido bar, na zona norte. Val chegara primeiro. Nervosa (naquele nervosismo quase angústia), olhava de lado a outro da rua, à procura de seu amado. Como ambos já se tinham visto pelas fotos da tal rede social, o reconhecimento não lhes seria difícil. Logo que Rodrigo dobrou a esquina próxima, avistaram-se. Sorriram-se e trocaram acenos ao longe. Mas, à medida em que se ia aproximando do local do encontro, ele percebeu que algo não estava bem. Faltavam ainda alguns bons metros para estar diante de sua amada e ele sentira, embora não lhe houvesse certeza. Afinal, o bar estava lotado; mesas e cadeiras adentravam a calçada, havia muitas pessoas por ali, num burburinho daqueles. Mas o coração já dele galopava em pânico e os passos, até então eufóricos, foram diminuindo o ritmo, como se a retardar sua chegada. Só mesmo quando Val beijou-lhe a face que ele teve certeza. Um arrepio crispado percorreu-lhe a coluna e o rosto enrubescido não disfarçava o desconforto. Val, diante da expressão fantasmagórica do amado, perguntou-lhe: - "Querido, o que houve?", mas era tarde. Rodrigo deu-lhe as costas, sem responder à pergunta; afastou-se, apavorado e rápido, deixando-a no vácuo. Todos, que estavam na calçada, diante do bar, presenciaram a cena patética, enquanto Val, estática e embasbacada, ficou sem entender.



Val e Rodrigo. Tinham tudo para dar certo. Conheciam-se tanto, sabiam inúmeras coisas um sobre o outro, mas esqueceram-se de privilegiar os detalhes: o perfume de grife que Val escolhera para o encontro era desses que percorrem quilômetros em segundos; foi por isso que Rodrigo, alérgico até ao último fio de cabelo, foi parar no hospital, com a face inchada, feito um baiacu.

finalizado em 21.01.2016